Casas maiores, escritórios menores: pandemia revoluciona mercado imobiliário
Cerca de 35% das empresas venderam em negociações durante a pandemia, mostra pesquisa de mercado
O mercado imobiliário foi impactado pela pandemia de coronavírus, mas o tom entre os especialistas é otimista em relação aos efeitos que a crise pode trazer.
Entre as mudanças mais significativas, está um processo reverso ao que vinha sendo observando: “se antes a tendência era a diminuição de espaços e de vivência em espaços compartilhados, a pandemia exige o oposto: espaços maiores e mais confortáveis, já que as pessoas passam muito mais tempo dentro de suas respectivas casas e estão sentindo falta de uma varanda, de um escritório bem estruturado e vão querer mudar”, afirmou Fábio Tadeu Araújo, sócio Dirigente da Brain Inteligência Estratégica.
Segundo Fábio Tadeu Araújo, é preciso se atentar às tendências demográficas a partir de agora. “As grandes cidades do Brasil já possuem, em sua maioria, famílias de no máximo três pessoas. O futuro do mercado imobiliário vai ser se adaptar à relação entre compartilhamento e redução espaços e viver em ambientes maiores e de mais qualidade”, afirma.
Home office
Fernando Didziakas, Sócio da Buildings, que monitora principalmente escritórios corporativos, afirma que, segundo uma pesquisa da empresa, 80% das empresas de SP acreditam que a partir de agora terão escritórios menores. “E isso é um processo: casas maiores, escritórios menores. Vamos observar uma redução da metragem da empresa e uma melhora na qualidade do home office, que vem funcionando”, diz.
Thomaz Assumpção, da Urban Systems, também acredita que a mudança de comportamento terá forte impacto no mercado imobiliário.
“Tudo vai mudar e vamos viver de forma mais integrada e buscando mais qualidade, o valor das coisas vão aflorar e isso vai trazer significado. Por isso, nosso olhar para a cidades tem sido no desenvolvendo bairros planejados, cujos produtos são sistêmicos e complementares e incluem varejo, hotelaria, residencial, escritórios, vários segmentos. Produtos de nicho vão surgir, vamos diminuir a mobilidade urbana e isso vai trazer uma nova logística mais fragmentada. Temos que monitorar o processo do novo ciclo [do mercado imobiliário].
Vendas na crise
Uma pesquisa conduzida pela Brain Inteligência e mais parceiros, mostra que 56% das empresas de incorporação venderam durante a crise. “Desse total, 60% foram vendas derivadas de uma negociação iniciada durante a pandemia. Ou seja, podemos dizer que cerca de 35% das empresas venderam em negociações durante a pandemia, o que indica que com certeza existe venda neste momento”, afirma Araújo.
Segundo ele, isso é reflexo da preparação das empresas, já que o mercado imobiliário vinha se recuperando da crise de 2014. “As empresas estão mais preparadas para vender digitalmente e contatar digitalmente, se essa pandemia tivesse acontecido quatro, cinco anos atrás o impacto teria sido muito maior. Muitas empresas estão avançando para oferecer a jornada de compra do imóvel 100% online”.
Guilherme Werner, sócio da Brain Inteligência Estratégica, informa que, paralelamente, uma pesquisa mensal com 600 consumidores feita em abril mostra que 20% deles têm a intenção de compra de um imóvel novo.
“É natural que diante do cenário que vivemos que essa intenção seja postergada, mas também o encolhimento não denota um pânico, apenas um receio prudente”, diz.
Ainda, nessa mesma pesquisa, na edição de março, 1% dos entrevistados tinha acelerado a compra de um imóvel por conta da pandemia. Em abril, o número subiu para 5%. Para Verner, os motivadores são de necessidade e não desejo, mas já é um sinal positivo.
Recuperação do setor
Sobre a recuperação de fato do setor, ainda há um caminho a ser percorrido. Segundo Cristiano Rabelo, CEO da Prospecta Inteligência Imobiliária, é difícil prever algo em um cenário como o que estamos passando e acredita em uma recuperação de médio prazo com a ajuda da internet.
“Hoje, não chegamos nem perto dos números da gripe espanhola, por exemplo, mas temos um fator a mais: a tecnologia. Ela tem capacidade de propagação de incerteza muito grande, ao mesmo tempo que tem a capacidade de reestruturação muito maior. Ou seja, o ponto de retomada pós pandemia vai acontecer embora no médio prazo no setor. A depender, claro, das regiões que sofreram mais com a crise. O mercado imobiliário deve ser analisado de maneira local, microrregião por microrregião”, diz.
Segundo ele, empreendimentos de baixo padrão, por exemplo, têm tendência à inadimplência pela perda da capacidade de compra de muitos brasileiros de baixa renda,” mas o reflexo é pontual. “As cidades diversificadas economicamente não se veem um aumento de inadimplência brusco, enquanto regiões que vivem de indústrias e comércio são severamente mais afetadas”, explica Rabelo.
Danilo Igliori, economista chefe do Grupo ZAP, afirma que analisa o momento sob três perspectivas: choque, transição e o novo ciclo. “Hoje estamos no choque e vai durar enquanto não tivermos controle da economia e enquanto não tivermos o tamanho do custo de econômico para lidar com a crise. A principal característica do choque é a enorme contração da demanda junto com a contração da oferta”, diz.
E explica: “o choque negativo na demanda contrai a quantidade de transações e também contrai os preços, enquanto o choque negativo na oferta contrai as transações também, mas faz o preço subir. Somados, o resultado inequívoco é o de diminuição de transações [compra e venda de imóveis], mas o preço fica relativamente fixo, porque um anula o outro. É o que estamos vendo, preço não teve muita alteração. E agora só o essencial importa e qualquer decisão que pode ser postergada assim será”, afirma.
Marcos Araujo, CEO e Fundador da Datastore, acredita que o mercado imobiliário está mais resiliente hoje. “Todo mundo saiu muito castigado da crise [gerada pelo] impechment e mudanças interessantes foram promovidas, incluindo corpo de funcionários mais enxuto e terceirização de muitas atividades. Por isso, [o setor] entrou nessa crise já imaginando que não haveria uma explosão de lançamentos em 2020. A grande maioria dos incorporadores acreditava em ano muito bom, mas sem explodir a oferta”, explica.
Por isso, segundo ele, o setor está atravessando a crise com dificuldades, mas sem impactos muito severos por enquanto. “O foco será fazer os lançamentos [já previstos] serem os melhores, com os melhores terrenos e projetos. A surpresa foi a digitalização, mas há estrutura”, afirma.
Shoppings: hubs de distribuição
Giancarlo Nicastro, CEO da Siila Brasil, afirma que o setor vem enfrentando muitas dificuldades. “Mesmo com cerca de 70 reabertos no Brasil, nem todos com todas as lojas abertas, a ocupação representa 20% a 30% do que os shoppings costumavam ter. Além disso, as áreas de entretenimento serão as últimas a serem liberadas, incluindo vallet, cinema, e praça de alimentação. É um segmento que precisará se reinventar”, afirma.
Para ele a solução de curto prazo com o objetivo de sobreviver será a transformação dos shoppings em hubs de consumo. “Os shoppings se adaptam facilmente e uma das saídas é virar o chamado ‘last mile’, que serve como alternativa do ‘self storage’. Passar a ser um distribuidor em microrregiões. Os shoppings têm espaço e localização, então, se tirar as pessoas de dentro, continua tendo espaço e distribui de forma mais rápida. Vai ser a saída para a sobrevivência”, afirma.