Operários e construtoras adaptam rotinas na volta ao trabalho no CE

No primeiro dia de retorno às atividades no Estado, pequena empresa da construção lista dificuldades em conduzir canteiros de obras com novas recomendações e empregados experimentam desconforto com EPIs

Após quase 70 dias “parado em casa”, o pedreiro Raimundo Ferreira da Costa voltou à ativa ontem (1º), com a liberação do trabalho na construção civil. Ele e mais nove colegas, incluindo o filho, retornaram ao canteiro onde começaram a erguer um condomínio residencial ainda em março, antes da pandemia.

De volta ao local, no bairro Jangurussu, a rotina precisou ser adaptada. Estar em uma obra ainda lhe é familiar e reconfortante, mas Raimundo confessa estranhar algumas medidas inseridas no dia a dia para prevenir a disseminação da Covid-19, principalmente o uso obrigatório da máscara.

“A gente não acha muito bom ficar parado porque é acostumado a trabalhar. Amanhecer o dia sem saber o que fazer deixa a gente meio perturbado”, desabafa o pedreiro, apontando desconforto com os novos equipamentos de proteção individual (EPIs).

“Não é muito bom trabalhar o tempo todo com ela (a máscara), não. Mas é o jeito, é melhor para evitar certas coisas. De vez em quando, a gente lava a mão, que é pra não facilitar pra essa doença”, conta.

José Ferreira da Costa, o filho de Raimundo, também compartilhou a ansiedade do pai em voltar ao ofício. Disse que a sensação de medo que sentia no isolamento social era uma das piores pela qual passou. “Graças a Deus, voltamos. Estava morrendo de vontade de voltar a trabalhar. A gente só dá valor quando fica parado em casa”, diz.

Mais uma atenção

Mestre de obras, cabe a José liderar a equipe, transmitindo aos operários as instruções dos engenheiros responsáveis. A atenção com a saúde dos colegas, principalmente por um deles ser seu pai, surge agora como mais uma atribuição direta. “É cuidado redobrado. A gente fica preocupado e orienta eles. Está todo mundo tomando as medidas cabíveis e conversamos com eles para saber como está em casa. Se um deles pegar (a Covid-19), todo mundo pode acabar se contaminando também”, lembra.

Os protocolos que estabelecem as regras a serem seguidas em cada uma das cadeias produtivas liberadas na primeira fase foram apontados por ele como uma boa contribuição para mudar os hábitos dos operários no canteiro. Segundo José, os operários costumavam ser um pouco despreocupados. “Às vezes, a gente usava copo de um e de outro. Agora tem que ter esse cuidado. Cada um com seu copo, seu talher, para não ter perigo de se contaminar”, diz.

Adaptação

Liberadas a retomar as obras ontem (1º), parte das construtoras ainda está adaptando os canteiros para oferecer condições seguras aos trabalhadores, assim como a construção civil retoma aos poucos os trabalhos, segundo justifica o presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado do Ceará (Sinduscon-CE), Patriolino Dias.

“Hoje (ontem), você vai ver poucas construtoras iniciando as obras, porque estão adequando os canteiros, colocando mais lavatórios, adquirindo máscara e álcool em gel. A gente (sindicato) está enviando uma cartilha de orientação também”, contou sobre os esforços para adaptar toda a cadeia da construção.

O protocolo sanitário elaborado pelo Governo do Estado e aplicado às construtoras prevê a medição de temperatura dos funcionários, entrega diária de kits contendo álcool em gel, água sanitária, sabão líquido e máscaras, higienização por pulverização diária das instalações, refeições em turnos alterados e distanciamento, entre outras medidas.

“Temos orientado que as construtoras sigam rigorosamente os protocolos. Nossos canteiros ainda terão importante papel educativo, uma vez que vamos orientá-los como se portar na obra, no caminho para o trabalho e vice-versa, bem como na própria casa”, ressalta Dias.

Mercado

O engenheiro responsável pela obra na qual Raimundo e José Ferreira da Costa trabalham, Igor Sales, contou que a construção havia sido iniciada ainda na primeira quinzena de março, pouco antes do decreto de isolamento social do Estado e, por ainda estar em fase inicial, o efetivo é pequeno. Todos os dez trabalhadores que haviam iniciado a construção retornaram.

“Mesmo sendo poucos, fizemos uma entrevista com eles, perguntamos se eles tiveram contato com alguém com Covid, se estão com algum sintoma, verificamos a temperatura. Estamos tomando esse cuidado para evitar a contaminação”, afirma.

Ele explica que, por ainda estar no início, os prejuízos foram menores do que se estivessem em fase de conclusão da obra. O condomínio residencial com 32 unidades tinha previsão para ser entregue ainda neste ano, mas com os efeitos da pandemia sobre o mercado, só deve ficar pronto em fevereiro.

“A nossa grande preocupação agora é como vai ficar o mercado daqui pra frente, se vamos conseguir vender, se esse estoque vai ficar parado, se as indústrias que nos atendiam faliram, se vão ter capacidade de nos atender”, pontua Sales, preocupado em dar seguimento ao negócio.

Segundo o presidente do Sinduscon-CE, o Valor Geral de Vendas (VGV) dos lançamentos neste ano no Ceará deve cair, pelo menos, pela metade, a cerca de R$ 800 milhões a R$ 1 bilhão. No início do ano, a previsão era de cerca de R$ 2 bilhões em novos empreendimentos no Estado.

“Mas faz quatro anos que não se lança quantidades significativas de unidades habitacionais e comerciais. O estoque está sendo enxugado. Tem até muitas construtoras zerando estoque. Acredito que daqui um ano e meio algumas tipologias irão faltar. Então, ao menor sinal de resposta da economia, isso (lançamentos) deve melhorar bastante”, estima Dias.

Fonte: Diário do Nordeste