Novo normal ainda é desafio para construção civil
Adaptação aos protocolos de operação do setor são desafio para trabalhadores cuja rotina foi a mesma por décadas. Mas retorno ao trabalho ainda serviu de estímulo para seguir cada nova regra ao longo da semana de transição
Medição de temperatura, checagem do uso dos Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e entrevista com os operários. Esse é o ritual incorporado na rotina do canteiro assim que os operários chegam, às 7h. Durante a primeira semana de volta aos trabalhos, nenhum dos dez trabalhadores que compõe a equipe na fase de fundação do condomínio residencial a ser erguido apresentou sintomas, resultado comemorado por todos, que ainda escorregam nas novas normas de segurança.
O mestre de obras José Ferreira da Costa segue alerta os protocolos, para garantir a segurança sanitária no local. Ele revela que ainda estão se adaptando às novas diretrizes e que fica advertindo quando percebe algum relaxamento. “Estamos tentando. Para a gente da construção é difícil algumas coisas. Na hora do almoço, às vezes percebo que todo mundo quer se juntar, mas a gente fica em cima. Foi bom por um lado, porque agora todo mundo traz seu próprio copo e talher. Antes, usavam de um e de outro”.
Com a prática e a cobrança, os funcionários tendem a se acostumar e incorporar os novos hábitos na rotina, destaca o mestre de obras enquanto percorre os olhos – protegidos do sol pelo capacete e pela própria mão – sobre o canteiro fazendo uma rápida inspeção do local.
Cuidado dobrado
José tem uma motivação a mais para ficar de olho na adoção dos protocolos. Entre os colegas de trabalho está o pai, seu Raimundo Ferreira da Costa. Já com 60 anos, o pedreiro está com a saúde em dia e diz sentir apenas “uma sinusite de vez em quando”. Para preservá-lo, seu Raimundo é colocado em atividades que possa fazer sozinho, para evitar ainda mais o contato físico.
Assim, Raimundo é encontrado no fundo da obra, sozinho, empilhando tijolos de concreto que irão servir de base para o prédio. Perguntado sobre a rotina, dispara: “pobre se contenta com pouco, até com uma boa conversa”. Natural do Rio Grande do Norte, ele trocou os trabalhos na roça que sustentaram a família pela construção civil aos 20 anos. Logo depois veio para Fortaleza, casou e constituiu a própria família, além de aqui solidificar a carreira.
Criou quatro filhos em uma casa que ele próprio construiu no centro de Maracanaú, na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF). Os dois homens seguiram o exemplo do pai e atuam na construção.
“É bom porque a gente fica sempre junto. Dificilmente a gente está separado. Graças a Deus, não tivemos problema ainda com essa doença que está matando muita gente conhecida”, pontua o pedreiro, lembrando que conhecia pelo menos três vítimas do novo coronavírus.
Lembrança da paralisação
Raimundo ainda tem muito presente na memória o tempo em que ficou sem trabalhar devido ao isolamento social, quando a única distração eram os serviços domésticos e os reparos que fez nas casas dos filhos. “Nunca falta trabalho em casa e na casa dos filhos para pedreiro”, brinca, revelando o sorriso escondido pela máscara através dos olhos semicerrados.
A reclamação constante devido à estadia prolongada em casa por conta da pandemia revela o prazer em voltar ao trabalho. Tendo passado muito tempo atuando como autônomo, seu Raimundo tem apenas 25 anos de contribuição para a Previdência e ainda não é aposentado.
“Se tivesse passado os 40 anos (de carreira) com a carteira assinada, já estava recebendo. Mas a gente fica muito tempo como avulso nesse ramo. Ainda falta cinco anos pra me aposentar. Se Deus me ajudar e der saúde, eu continuo a trabalhar e chego lá”, fala sobre a principal motivação que o faz ir ao canteiro semanalmente.
Ponto crítico
O engenheiro e sócio da construtora responsável pela obra, Igor Sales, destaca a preocupação durante a primeira semana de retorno das atividades e comemora que ninguém tenha apresentado nenhum sintoma nem adoecido.
“As coisas vão entrando na rotina natural, mas sempre todo mundo usando máscara, higienizando as mãos e evitando contato físico”, ressalta. Apesar da semana bem sucedida, a preocupação aumenta no fim de semana. Sales destaca que, por conta da rotina pesada na obra, os funcionários chegam em casa e apenas descansam, sem ter contato com muitas pessoas.
“No fim de semana, isso foge um pouco do nosso controle. Durante a folga, há a possibilidade de interagirem com alguém contaminado. Na segunda, vamos continuar o monitoramento e constatar se teremos alguma baixa”, afirma. Caso algum funcionário apresente sintomas, a empresa irá encaminhá-lo para uma unidade de saúde e, confirmando o laudo de Covid-19, será providenciada a substituição.
“Nenhuma empresa tem efetivo sobrando, principalmente nessa crise. Como não sabemos exatamente quanto tempo esse funcionário vai ficar de atestado, pode ser que ele precise de uma internação, a gente busca a contratação de outra pessoa”.
Fonte: Diário do Nordeste