Construção civil vê no horizonte juros e commodities incomodando menos

No 2º trimestre, as empresas sofreram com queda na margem bruta, em função do aumento dos custos de produção

Um dos vetores da economia brasileira é a construção civil. O setor é um grande empregador formal e gira a atividade do país ano sim, ano também.

A intensidade do crescimento dessa atividade, entretanto, varia com o desenvolvimento das empresas em meio ao cenário macroeconômico, já que a construção civil é altamente sensível às taxas de juros praticadas no país e ao apetite por captação de crédito.

No segundo trimestre deste ano, as empresas do setor ainda sofreram com queda na margem bruta, sobretudo em função do aumento dos custos de produção, notadamente matérias-primas e mão de obra.

O lado positivo é que a perspectiva se tornou positiva para o médio prazo, tanto do ponto de vista macroeconômico de política monetária, como nas particularidades do setor, que se traduzem na maior poupança da população – que também está mais empregada.

Após um longo período de vacas magras, as ações do segmento começam a esboçar uma reação, acompanhando a expectativa pelo fim da alta da Selic, o que acaba impactando positivamente os ativos ligados ao setor imobiliário.

As oportunidades para os modelos de negócio se espalham desde a baixa renda, que será potencializada pelas mudanças no Casa Verde e Amarela, até a alta renda, que pouco se endividou durante a pandemia.

Dinâmica inflacionária

As expectativas para a inflação brasileira e americana estão mais amenas para os próximos meses. No espectro global, o mercado tem visto os preços de commodities arrefecerem e, no âmbito local, as medidas do governo no alívio de impostos sobre os combustíveis têm trazido resultado.

Com a queda das cotações como o aço no mercado internacional, um alívio, mesmo que marginal, já deve ser observado nos números e, consequentemente, nas ações das construtoras e incorporadoras.

Ao mesmo tempo, caso a inflação fique mais comportada ao longo de 2023 (por mais que, hoje, a expectativa é de que ela supere a meta), haverá mais renda disponível para gastos, como pagamento de dívidas e financiamentos.

Neste sentido, as discussões relacionadas à extensão do processo de aperto monetário rondam os bancos centrais, uma vez que o crescimento econômico global para o ano que vem já está praticamente comprometido.

O tema é sensível ao setor de construção civil, que refletiu no segundo trimestre deste ano algumas das incertezas já sanadas, como o pico da Selic – que agora realmente se aproxima – e até que ponto as commodities subiram e impactam o custo de produção.

Baixa, média e alta renda na construção civil

A começar pela baixa renda, estrato da sociedade que mais sofre com a inflação no país, as empresas apresentaram resultados mistos, mas que ficaram dentro da expectativa do mercado.

No caso da Tenda (TEND3), o mercado esperava que a companhia mostrasse alguma tentativa de recomposição de margens, por mais que a concretização disso não acontecesse agora.

Mesmo com a reversão do lucro em prejuízo de R$ 114,4 milhões entre abril e junho, e o recuo de 10,3% da receita líquida na comparação anualizada, para R$ 626,9 milhões, as ações da empresa dispararam mais de 31% no dia da divulgação do balanço.

Em parte, a reação se deu em função do preço médio das vendas no segundo trimestre, que avançaram fortes 20% em comparação ao mesmo período do ano passado.

A empresa tem sido mais cautelosa na hora de lançar projetos, pensando na preservação das margens. Entre abril e junho dez empreendimentos foram lançados, número 22% menor em 12 meses.

A companhia é voltada exclusivamente à produção de unidades residenciais populares, onde todos os empreendimentos se enquadram no grupo 2 do Programa Casa Verde e Amarela.

As mudanças no programa, além de potencialmente acelerarem a criação de postos de trabalho no Brasil, atendem aos pedidos das empresas, como Tenda e MRV (MRVE3).

A incorporadora mineira, mais uma vez, foi sustentada pelas operações que não fazem parte do core business da companhia, como na positiva geração de caixa da Resia e Luggo.

A margem bruta da companhia, na operação brasileira, foi de 18,9% no segundo trimestre. A queda de seis pontos percentuais na comparação anualizada foi impactada pelos custos de produção, mesmo com o aumento do preço médio praticado por unidade vendida.

O primeiro trimestre da empresa havia sido de baixas contratações relacionadas ao Casa Verde e Amarela, por conta do “desequilíbrio” que a empresa citava nos termos do programa. Em julho, porém, as mudanças já começaram a surtir algum efeito na demanda. Os próximos trimestres devem ser de melhora no negócio para a MRV.

Além disso, apesar do fraco resultado entre abril e junho deste ano, a companhia diz que a recuperação das margens deve ser abreviada e os distratos devem continuar baixos (atualmente em 4%, sendo que já foram de 30% entre 2015 e 2016).

Ainda sobre baixa renda, a Plano & Plano (PLPL3) apresentou resultados mistos no segundo trimestre deste ano, com leve crescimento da receita líquida. O lucro subiu 18% em um ano, para R$ 19 milhões, ajudado pelas receitas financeiras.

Rumos distintos?

Segundo especialistas, a fatia da população que seria mais impactada negativamente pela guinada da taxa de juros é a média renda.

Isso porque trata-se de um fatia consumidora que é altamente dependente da contratação de crédito – que acabou ficando amplamente mais custoso.

Portanto, esperava-se que a média renda tivesse um rumo diferente da alta renda, que tende a sofrer menos com os ciclos econômicos.

A economia brasileira, contudo, acelerou nos últimos trimestres, gerando mais emprego à população. O desemprego recuou para 9,3%, menor patamar desde 2015.

Direcional (DIRR3), construtora que atua sobre a baixa, média e alta renda identificou um bom desempenho de suas atividades com a média renda.

A Riva, vertical que atua na faixa média da população, viu suas vendas líquidas crescerem 38% em 12 meses, para R$ 236 milhões, no segundo trimestre deste ano.

A Venda sobre Oferta (VSO, ou velocidade de vendas) atingiu 17% no período entre abril e junho, três pontos percentuais do reportado no primeiro trimestre deste ano. O resultado foi atingido mesmo com os lançamentos aumentando, tanto em termos de VGV (valor geral de vendas) como unidades.

Enquanto isso, na alta renda, resultados mais negativos do que positivos. A Eztec (EZTC3) reportou uma queda de 16% anual na receita líquida, para R$ 243 milhões, em razão das menores vendas líquidas.

A empresa consumiu muito caixa (R$ 183,83 milhões) no segundo trimestre para pagar terrenos e financiar a construção do empreendimento corporativo Esther Towers.

Na Cyrela (CYRE3), a receita líquida se manteve sólida, com um aumento de 5,8% em um ano, fomentada por um resultado satisfatório das vendas líquidas e, sobretudo, do preço médio por metro quadrado, que avançou 15,1% em um ano – mas que caiu em relação ao primeiro trimestre de 2022.

Mais de 70% dos lançamentos da empresa neste ano foram realizados no estado de São Paulo. Desses, 52,5% foram direcionados para a alta renda e 34,8% para a média renda.

Focada totalmente em alta renda, a Gafisa (GFSA3), por sua vez, não teve o mesmo desempenho e viu seu lucro líquido sair do campo positivo no segundo trimestre do ano passado para o negativo em R$ 30,2 milhões no mesmo período deste ano.

A receita líquida, na mesma base comparativa, não saiu do lugar, o que fez com que os custos corroessem o resultado da empresa, que viu o lucro bruto tombar 43% e a margem bruta perder 13 pontos percentuais.

No caso da empresa, chama atenção a aceleração do endividamento. A dívida líquida agora está em R$ 1 bilhão, 33% acima do reportado há um ano, e equivale a 56,5% do patrimônio líquido.

Por razões alheias aos consumidores de alta renda – como alta do custo de produção, seja insumos ou mão de obra –, o segmento de alta renda da construção civil parece ter sofrido mais do que o esperado, visto que a resiliência financeira do seu público-alvo é naturalmente maior do que o restante do país.

Fonte: TradeMap