Futuro da Selic preocupa o mercado imobiliário
Banco Central eleva as taxas de juros para desacelerar a economia, em busca do centro da meta da inflação. Apesar do momento pujante, empresários do setor da construção já se mostram pessimistas com o futuro dos imóveis voltados para o médio e alto padrão
O Brasil ocupa, hoje, a segunda posição no ranking dos maiores juros reais do mundo, atrás somente da Rússia. O juro real é constituído, entre outros fatores, pela taxa de juros nominal do país subtraída a inflação prevista para os próximos 12 meses. Nesse cenário, um dos setores que se ressentem, mas que ainda demonstra forte dinâmica, é o da construção civil, especialmente o mercado imobiliário.
A economista Ana Maria Castelo, coordenadora de Projetos da Construção na Fundação Getúlio Vargas/IBRE, afirma que todas as pesquisas mostram que o mercado imobiliário está batendo o recorde em lançamentos e vendas. “Esse dinamismo é alavancado pelo programa Minha Casa Minha Vida, que é mais protegido”, diz.
Celso Petrucci, economista-chefe do Secovi-SP, lembra que os juros do FGTS para o programa MCMV não têm relação com o cenário econômico. “Eles são fixados entre 4,5% e 8,16% ao ano, inversamente proporcional à renda das famílias. Ou seja, famílias com maior renda mensal pagam mais juros que as famílias com mais baixa renda que, além disso, têm acesso a subsídios concedidos pelo FGTS”.
Segundo Castelo, o impacto dos juros elevados se dá sobre o custo do financiamento de imóveis. Caso o aumento da Selic venha a ser muito forte e persistente, provocando retração da atividade econômica, com aceleração do desemprego e queda da renda, os beneficiários do programa serão afetados.
Petrucci aponta que, atualmente, a faixa de renda mais prejudicada é a que fica entre R$ 8 mil e R$ 15 mil. Castelo confirma: “No segmento do mercado imobiliário para a média e alta renda, o efeito dos juros atuais é mais imediato. Basta ver que o Itaú já anunciou alta nas taxas de crédito imobiliário e a Caixa acaba de informar que, a partir de 1º de novembro próximo, reduzirá a parcela a ser financiada de 80 para 70%”.
Dados do Banco Central de junho passado, na modalidade SFH, revelam que, em média, 67,4% do valor dos imóveis foram financiados. Comparativamente a 2022, essa média estava em 69%, ou seja, já houve um endurecimento, exigindo maior poupança prévia. “Ainda assim, o mercado imobiliário continuou forte”, diz a economista, ressalvando que o novo movimento dos bancos pode levar a um momento mais desafiador.
Na opinião de Petrucci, para atender o mercado imobiliário com os números deste ano, há volume suficiente de financiamento. “Para que possa crescer a partir de 2025, serão necessários mais recursos do que os da poupança e do FGTS. O mercado financeiro vem colaborando com o crescimento da emissão de papéis lastrados em base imobiliária, como CRIs (Certificados de Recebíveis Imobiliários), LCIs (Letras de Crédito Imobiliário), LIGs (Letras Imobiliárias Garantidas) e FIIs (Fundos de Investimento Imobiliário)”, fala.
Por outro lado, Castelo destaca o fato observado nos últimos três anos de que os saques da poupança têm superado os depósitos – investimento com custo de captação menor que o do mercado financeiro. “O alerta é que se o custo de captação encarecer, porque as taxas voltam a subir, o resultado é uma conjuntura duplamente difícil em disponibilidade de crédito”, afirma.
O Índice Geral do Mercado Imobiliário Residencial (IGMI-R), calculado pela Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip) em parceria com a FGV, mostra valorização muito superior do que a inflação. “Ou seja, o imóvel continua ganhando da inflação, portanto, não observamos qualquer tendência de migração do investidor para o mercado financeiro”, diz Castelo.
“Os investidores do mercado imobiliário – em torno de 10% de quem adquire imóveis novos no país – continuam acreditando no mercado. Até o momento, os números demonstram que as vendas em 2024 serão maiores que as de 2023, confirmando que a demanda continua aderente, tanto dos investidores como dos que estão adquirindo sua primeira moradia ou trocando de imóvel”, informa o economista-chefe do Secovi-SP.
De acordo com Castelo, a sistemática elevação dos juros pelo Banco Central, mesmo com a inflação e desemprego em baixa, crescimento do PIB e da atividade econômica, é uma questão que sempre dá muito ‘pano para a manga’ quando se discute o cenário macroeconômico. A instituição afirma na ata, após a reunião de setembro deste ano, mirar o centro da meta da inflação. Reconhece que a inflação está em queda, mas persistentemente acima desse centro, inclusive nas projeções para os próximos dois anos, num contexto de economia aquecida e ante uma política fiscal que contribui para esse aquecimento. Assim, o Bacen entende que precisa agir, provocando a desaceleração da economia para alcançar o centro da meta inflacionária.
“Esse é o argumento da instituição, que menciona a tensão no contexto externo e a desvalorização cambial, complicando o cenário. Naquele momento, o conflito no Oriente Médio, que tangencia o petróleo, nem estava posto como hoje”, comenta ela.
A Sondagem da Construção – FGV IBRE, divulgada no final de setembro, identificou que nos últimos dois meses houve piora das expectativas, especialmente dos empresários do setor imobiliário. “Eles preveem um ambiente mais desafiador para a média e alta renda, com a perspectiva à frente das taxas de juros se elevando”, conclui Ana Maria Castelo.