Como as mudanças climáticas estão afetando o mercado imobiliário

Entenda os riscos que os efeitos das mudanças climáticas oferecem aos imóveis, mesmo que eles não estejam refletidos na valorização do mercado

Chuvas intensas que causam enchentes, furacões e queimadas. Erosão e aumento no nível do mar. Quer sejam excepcionais ou crônicos, eventos climáticos extremos aumentam os riscos no mercado imobiliário. Os danos às propriedades causados por eles se intensificaram nos últimos anos, devido às mudanças climáticas. É o que afirma o relatório Climate Risks in the Real Estate Sector, de 2023, elaborado pelo United Nations Environment Programme – Finance Initiative (Unep FI).

Ainda assim, o mercado imobiliário parece não estar respondendo na intensidade e velocidade das mudanças climáticas. Apesar de algumas quedas pontuais nos valores de imóveis já afetados, a tendência segue de crescimento, muitas vezes ignorando riscos a longo prazo, e até perigos eminentes.

Um estudo publicado na Nature, em 2023, estimou que imóveis nos Estados Unidos estejam supervalorizados entre 121 e 237 bilhões de dólares, por não considerarem os riscos de alagamentos.

No entanto, cada vez mais, os investidores estão, sim, preocupados com as mudanças climáticas ao comprarem imóveis, pelo menos nos Estados Unidos. Uma pesquisa da imobiliária virtual Zillow, de 2023, mostrou que 80% dos compradores consideram esse risco, especialmente os das gerações Z e millennial.

A empresa, inclusive, é pioneira em trazer alerta de riscos associados às mudanças climáticas nos anúncios de imóveis, indicando possível exposição a alagamentos, queimadas, ventos extremos, má qualidade do ar e calor extremo. A ideia não é afastar investidores, mas, sim, dar transparência a informações relevantes para a negociação. Dos imóveis anunciados na Zillow, que atua nos Estados Unidos, 16,7% têm risco de queimadas e 12,8% de sofrer com alagamentos.

Confira abaixo como quatro efeitos das mudanças climáticas têm afetado fortemente imóveis e mercados imobiliários ao redor do mundo nos últimos anos.

Elevação do nível do mar

O risco das mudanças climáticas mais evidente aos imóveis é a elevação no nível do mar, que já ameaça engolir imóveis nas costas de vários locais do mundo. Cerca de 23% da população global está diretamente exposta a alagamentos acima de 15 cm, segundo estudo do World Bank, de 2020. Esse cenário deve piorar em breve. Pelas estimativas da elevação do nível do mar, terras habitadas por 300 milhões de pessoas no mundo serão alagadas até 2050, segundo estudo da Climate Central, de 2019.

O problema afeta tanto países emergentes, quanto desenvolvidos. Por exemplo, partes de Jacarta, capital da Indonésia, afundaram 2 metros e meio em menos de uma década, segundo o World Economic Forum, de 2019. Conforme a mesma organização, 75% das cidades da Europa serão afetadas pela elevação do nível do mar até 2100, principalmente na Holanda, na Espanha e na Itália. Já nos Estados Unidos, noventa cidades costeiras sofrem com alagamentos crônicos, segundo artigo publicado no Journal of Environmental Planning and Management, em 2017.

Assim, propriedades de alto padrão não estão livres de serem engolidas pela elevação do nível do mar, por também, na maioria, ficarem localizadas nas costas. Um relatório do Risky Business Project, de 2021, estimou que entre 66 bilhões e 160 bilhões de dólares em imóveis estarão debaixo do mar até 2050 nos Estados Unidos.

Um estudo das Universidades do Colorado e da Pensilvânia, de 2019, concluiu que as propriedades expostas à elevação do nível do mar têm desvalorização de 7% em comparação com imóveis mais protegidos.

Apesar disso, em geral, o mercado imobiliário ainda parece não se afetar tanto. As áreas costeiras seguem altamente desejadas, e a quantidade de construções – e seus valores – continuam aumentando.

Enchentes causadas por chuvas

A elevação do nível do mar não é o único evento climático que gera alagamentos. Chuvas extremas, cada vez mais comuns pelas mudanças climáticas, também podem gerar enchentes perigosas para a vida das pessoas e de suas moradias, como ocorreu esse ano no Brasil, no Rio Grande do Sul, mas também recentemente na Coreia do Sul, no Paquistão, nos Estados Unidos e na África do Sul. A devastação causada pelas chuvas extremas é ainda pior pelo modelo de urbanização das cidades, com poucas áreas verdes e solos impermeáveis.

Um estudo do Swiss Re Institute, de 2022, mostrou o recente aumento das perdas causadas por enchentes no mundo. Entre 1991 e 2000, o prejuízo foi de 30 bilhões de dólares. Já de 2011 a 2020, de 80 bilhões. Somente em 2021, de 20 bilhões de dólares. A maioria dessas perdas, 82%, não foi coberta por seguros, que protegem apenas 4% dos imóveis no mundo contra alagamentos.

No Rio Grande do Sul, as enchentes de 2024 geraram pedidos de indenização a seguros de 5,6 bilhões de reais, segundo o Sindicato da Habitação do Rio Grande do Sul (Secovi-RS). Mais de 10 mil imóveis foram danificados.

Uma pesquisa realizada pela Associação dos Corretores de Imóveis de Porto Alegre (ACI-POA) revelou que 65% dos compradores passaram a priorizar imóveis em áreas com menor risco de enchentes. Além disso, 45% estão dispostos a pagar até 20% a mais por imóveis que ofereçam garantias de segurança contra inundações.

Ainda assim, diferente da desvalorização a longo prazo dos imóveis com risco de serem engolidos pela elevação do nível do mar, as enchentes causadas por chuvas não parecem ter impactos duradouros. Um estudo publicado no Journal of Environmental Economics and Management, em 2019, mostrou que, na Inglaterra, entre 1995 e 2015, propriedades alagadas sofreram desvalorização de 24,9%, porém retornaram ao valor original passados 5 anos.

Algo similar aconteceu em Boulder County, na Dakota do Norte, nos Estados Unidos. Os preços dos imóveis alagados caíram em 6,26% na enchente de 2013, mas voltaram ao normal após 2 ou 3 anos, segundo artigo publicado no Journal of Flood Risk Management, em 2022.

Ventos extremos

Uma das consequências mais visíveis das mudanças climáticas é o aumento dos ventos extremos, incluindo furacões. Os Estados Unidos tiveram 14 tempestades com nomes em 2022, das quais oito foram classificadas como furacões e duas como furacões de grande magnitude, segundo o National Oceanic and Atmospheric Administration (Noaa). Em 2024, dois furacões americanos tomaram conta dos noticiários em todo mundo pela enorme destruição que causaram: Helene e Milton.

Mais de 32 milhões de imóveis nas costas Atlântica e do Golfo, nos Estados Unidos, estão sujeitos a danos por furacões, totalizando 8,5 trilhões de dólares. Em 2021, o furacão Ida causou danos estimados entre 27 e 40 bilhões de dólares, segundo artigo da Core Logic, de 2021. Já para o recente furacão Milton, a estimativa é de 281 milhões de dólares.

Não é apenas a destruição das propriedades que afeta o mercado imobiliário quando acontecem furacões. Tempestades extremas também podem gerar baixa demanda de aluguéis e diminuição no número de turistas, levando à desvalorização. Por exemplo, cinco anos após o furacão Sandy, de 2012, os imóveis em áreas afetadas de Nova York ainda apresentavam desvalorização de 8%, segundo publicação do Journal of Urban Economics, de 2018.

Queimadas

As mudanças climáticas também têm aumentado as queimadas, devido aos longos períodos de seca, como vimos no Brasil esse ano. Nos Estados Unidos, a Califórnia tem sido cada vez mais afetada, com destaque para o Camp Fire, de 2018, que destruiu 19 mil imóveis, com perdas estimadas em 18 bilhões de dólares, dos quais 9 milhões foram ressarcidas por seguros, segundo artigo da Bloomberg, de 2022.

Esse evento climático teve forte impacto no mercado imobiliário. Um estudo de 2021 da imobiliária Redfin demonstrou queda de 38% nas compras de imóveis em regiões de queimadas na Califórnia entre 2010 e 2020. No estado, houve valorização imobiliária de 33% no período, mas nas regiões das queimadas ela foi de 21%.

Ainda, estados americanos que antes não sofriam com o problema estão agora mais propícios a queimadas, como Flórida, Massachusetts e Nova Jersey. Entre 2005 e 2020, foram destruídos por queimadas 90 mil imóveis nos Estados Unidos, segundo artigo da Headwaters Economics, de 2020.

Se em 1990 os seguros pagaram 100 milhões de dólares por danos causados por queimadas, de 2011 a 2018 foram cerca de 4 bilhões de dólares anuais, segundo artigo da Bloomberg, de 2020.

Fonte: Casa&Jardim