Setor de construção busca startups para romper ciclo de pouca inovação
Pouco digitalizado, segmento busca evoluir com parcerias entre grandes empresas e empreendedores
As edificações mais antigas do mundo foram erguidas há cerca de 6 mil anos. Não é de hoje, portanto, que o ser humano constrói. Mas, diferentemente do segmento de transportes, por exemplo, que está perto de pôr nas ruas os primeiros carros sem motorista, o setor de construção inova pouco. “É um dos menos digitalizados”, diz estudo recente da consultoria McKinsey. Perde apenas para o agronegócio no ranking dos setores que menos usam tecnologia.
Tudo parece favorável para uma mudança. A tecnologia tem evoluído. Além disso, projetos grandes normalmente demoram 20% a mais para serem terminados. Alguns são concluídos com orçamento até 80% acima do previsto. A produtividade da construção diminuiu em alguns mercados desde os anos 90 e os retornos financeiros para empreiteiros costumam ser baixos e voláteis. Até hoje, as margens não pareceram um grande problema para construtoras, já que as perdas eram compensadas na hora da venda, e inovar parecia um desafio grande demais diante da característica cíclica das obras. Afinal, quando uma nova construção começa, em outro local e equipe diferente, perde-se boa parte do aprendizado.
Mas há quem esteja empenhado para mudar essa realidade. Em março deste ano, o magnata inglês Richard Branson, do conglomerado Virgin, lançou um fundo de US$ 12,7 milhões para empresas que querem inovar no setor. Grandes construtoras do Brasil, por sua vez, como Andrade Gutierrez e Tecnisa tentam se aproximar de startups para driblar a morosidade de grandes empresas e trazer inovação a seus processos – a primeira selecionou dez empresas, em 2017, para testar em suas obras; já a Tecnisa promove há anos o Fast Dating, um evento ond startups apresentam suas ideias.
Com um envolvimento mais direto, a empresa de software de gestão catarinense Softplan, que tem alguns de seus principais clientes no setor de construção, decidiu varrer o mercado. Ao analisar o setor, descobriu que há hoje só 400 startups voltadas ao segmento no País. Era hora de trazer a inovação para dentro de casa.
Assim nasceu, em abril de 2017, a Construtech Ventures, fundo de investimentos com recursos da Softplan que detecta oportunidades de negócio no setor e busca empreendedores para que, juntos, criem startups. Dez empresas compõem hoje o portfólio do Construtech. “Ficou evidente que a tecnologia poderia romper o ciclo desse setor que historicamente inova muito pouco”, diz Bruno Loreto, líder do fundo.
Foi dessa forma que surgiram empresas como a ZeroDistrato, capaz de resolver um problema bem específico do setor. Distrato é um termo jurídico que caracteriza o fim de um acordo firmado por contrato. Na construção, é usado quando um comprador adquire um imóvel e, por não conseguir arcar com a dívida, “devolve” o imóvel à construtora, mediante multa. O problema é que, quando isso acontece, é preciso devolver grande parte do dinheiro ao comprador – e, muitas vezes, os recursos que já estavam sendo usados no financiamento de novas obras. Além disso, o imóvel pode perder 11% do seu valor de venda após ser “distratado”, diz estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
O que a startup pensada pela Construtech Ventures fez foi usar big data e inteligência artificial para prever as chances de um comprador não arcar com a dívida e, portanto, distratar. “Acertamos em 96% dos casos de 300 mil contratos que já analisamos”, diz Anderson Fagionato, cofundador da empresa. Hoje a ZeroDistrato tem seis clientes e um faturamento de R$ 40 mil por mês.
A Softplan, porém, não está sozinha: quatro empresas do setor – Engeform, Grupo GPS, Temon e Athié Wohnrath, que juntas somam receitas de R$ 4,5 bilhões – fecharam uma parceria com o fundo latino-americano Nxtp Labs e criaram o Okara Hub, um espaço em São Paulo destinado a hospedar e incentivar startups voltadas para o setor.
“Queremos acabar com vilões da construção, como o desperdício de materiais, que chega a 8% do valor total da obra”, afirma Paulo Homem de Melo, líder da frente de inovação da Athié Wohnrath. Hoje, o centro já abriga 13 empresas, de diversas cidades brasileiras, como a Construcode, de Salvador (BA), e CoteAqui, que tem sede em Recife (PE) e Florianópolis (SC). “(A união) das quatro empresas ajuda muito. Seria mais difícil encontrar ou desenvolver essas soluções inovadoras se estivéssemos sozinhos.”
Mão na massa. Com foco no local da obra, estão empresas como a paranaense Tecverde e a Âmbar, de São Carlos. As duas usam a ideia de transformar partes da construção em peças, como as do brinquedo de plástico Lego, que podem ser facilmente montadas na obra. A Tecverde diz ser capaz de fazer com que a montagem seja quatro vezes mais rápida do que a alvenaria convencional. Já a Âmbar é especializada na construção de imóveis populares e diz que seu processo também é mais ecológico. “Ao olhar para o processo e criar componentes, eliminamos resíduos das nossas obras”, conta Bruno Balbinot, presidente da startup.
A estratégia da empresa, que atende 8 das 10 maiores construtoras do País, foi entrar no meio da cadeia de valor. “Temos uma fábrica, na qual pegamos a matéria prima e criamos partes da construção de forma padronizada”, diz Balbinot.
Desde 2014, a Âmbar construiu 100 mil unidades habitacionais. Em outra frente de negócios, com 180 famílias, a empresa desenhou uma casa que custa R$ 30 a mais na parcela mensal de pagamento do imóvel, mas permite economia de R$ 90 em energia ao mês, graças à combinação de painéis solares, lâmpadas de LED e um software de monitoramento de consumo. “É um combo de eficiência”, afirma o fundador.
A inovação atraiu fundos como a TPG Ventures, que já investiu em nomes como Spotify e Uber – os americanos investiram cerca de R$ 100 milhões na startup de São Carlos. É um começo para que, com cimento, criatividade e tecnologia, essas startups possam diminuir o déficit habitacional global – até 2025, diz a McKinsey, serão mais de 106 milhões de famílias de baixa renda em busca de habitação acessível no mundo todo.