A evolução do estilo minimalista e suas diversas releituras mundo afora

O termo minimalismo evoca um tipo de espaço, onde sobressaem a luz e o vazio. Mesmo assim, este imaginário pode variar – sinal da multiplicidade que o conceito carrega, desde sua origem nas artes até as influências contemporâneas

Essencial, abstrara, austera, limpa, simples, elementar, inteligível, silenciosa, sintética. A lista continuaria, mas paremos por aqui. Estes são alguns dos adjetivos associados àquilo que se entende hoje como arquitetura minimalista, aplicável a ambientes de todos os tipos. Se a diversidade de atributos enriquece e facilita o entendimento do termo, também indica a variedade de sentidos encontrados nessa corrente. A um só tempo, ela consegue a proeza de pautar desde microapartamentos-fetiche a manuais de organização doméstica.

A evolução do estilo minimalista e suas diversas releituras mundo afora (Foto: Todamo/Shutterstock.com)
O pavilhão alemão projetado por Mies van der Rohe para a Feira Mundial de Barcelona, em 1929, tornou-se uma obra-prima – o edifício aberto, em que nada resta oculto, materializa a simplicidade e a clareza dos meios e das intenções

Não há fronteiras para o novo minimalismo, que alcança um sem-número de pessoas ao transformar-se em fenômeno mercadológico e ver-se incorporado ao senso comum. “Basta dizer que a novela exibida por uma emissora de grande alcance no Brasil usa como principal cenário uma casa claramente minimalista”, comenta o arquiteto Rodrigo Queiroz, pesquisador e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP).

No entanto, essa popularização o afasta mais do ideário original – que, a rigor, existiu nas artes, não na arquitetura. Então, o que há por trás das formas claras, da placidez estética e do bem-estar proporcionado por essa espacialidade discreta, enxuta e harmônica que tanto apreciamos?

A evolução do estilo minimalista e suas diversas releituras mundo afora (Foto: Daici Ano/divulgação)
Espelhos-d’água e painéis vazados desenham esta casa próxima a um riacho, numa região montanhosa do Japão, concebida em 2006 pelo arquiteto Kengo Kuma de modo a reverenciar a natureza em um jogo entre sólido e impermanente, cheios e vazios

ARTE: O MARCO ZERO
Os especialistas são unânimes: a referência mais literal ao minimalismo remete às artes visuais produzidas nos Estados Unidos na década de 1960, quando despontaram nomes como Donald Judd, Richard Serra, Dan Flavin e Carl Andre, entre outros. “Queriam tirar de cena a representação figurativa e enfatizar a presença física no espaço”, explica o arquiteto Gabriel Girnos Elias de Souza, pesquisador e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Essa minimal art retomou a tradição construtiva, privilegiando o efeito obtido a partir da relação entre as coisas, em um discurso típico da era industrial”, complementa o arquiteto Fernando Viegas, docente da Escola da Cidade.

A essa altura, porém, já fazia tempo que a arquitetura refletia as máximas das vanguardas artísticas europeias do início do século 20 (especialmente aquelas que se valiam da abstração, contrapondo-se ao academicismo) e se deixava influenciar, desde o final do século 19, pelo statement do arquiteto austríaco Adolf Loos. “Para ele, que chegou a dizer ‘ornamento é crime’, a estética mínima era quase um imperativo moral, um dever”, reitera Souza. E esse espírito impactaria decisivamente o nascente movimento moderno.

Enquanto, nos anos 1920, as telas do holandês Piet Mondrian exibiam formas geométricas básicas e cores primárias, na arquitetura, seu conterrâneo Gerrit Rietveld derrubava a simetria e a perspectiva vigentes, sugerindo a apreensão da edificação e de seus planos desde diferentes pontos de observação. “Essa ênfase na relação com o espaço, que resumiu a composição a piso, parede e apoio, foi depurada mais tarde por Mies van der Rohe”, continua Viegas.

A evolução do estilo minimalista e suas diversas releituras mundo afora (Foto: Gabriel Kogan)
A Cuadra San Cristóbal, complexo desenvolvido em 1968 para uma comunidade de cavaleiros na Cidade do México, leva a marca de Luis Barragán, caracterizada por cores vibrantes e volumes de forte apelo visual e espacial

MENOS AINDA É MAIS
No limite, credita-se papel seminal à Bauhaus e a Mies van der Rohe, seu famoso expoente, que trocou a Alemanha pelos Estados Unidos em 1937 e, de Chicago, passou a disseminar o pensamento racionalista. “O aforismo ‘menos é mais’, proferido por ele em 1929, não só significava a crença na essência em detrimento da aparência como lastreava uma visão de futuro amparada em princípios de igualdade possíveis na sociedade industrial”, prossegue Queiroz, para quem a semente da lógica minimalista estava plantada na escola alemã de design, arquitetura e arte.

Lembrado pelo arquiteto Felipe Hess, o trabalho realizado pelo modernista mexicano Luis Barragán de 1945 em diante adiciona temperos antes impensáveis à receita. “Na versão corrente do minimalismo, onde valem a cópia e a repetição, o branco predomina como solução fácil. Acho importante relembrar o legado desse arquiteto, cujo vocabulário com aura reflexiva e etérea emprega cores vibrantes”, frisa Hess.

O processo de construção da cultura, porém, é pendular, feito de idas e vindas. “Depois de rechaçados o ornamento e o apreço pelo histórico no modernismo, veio o pós-moderno promover seu resgate. Estaríamos vivendo agora uma espécie de pós-pós-moderno?”, questiona Juan Pablo Rosenberg, titular do AR Arquitetos, escritório de onde saem projetos impregnados pela linguagem minimalista, embora refutem o rótulo. Segundo ele, a procura pela limpeza do desenho e pela precisão no detalhe, além da capacidade de síntese, com atenção à escala e à proporção, não bastam para sugerir uma filiação ao minimalismo. É na busca por uma expressão enxuta e uma experiência intensa do corpo no ambiente que ele vê sua interlocução com o movimento. “Esse novo minimalismo vem contra o excesso de informações, estímulos visuais e materiais dos anos 1990 e 2000, com tanto design paramétrico e biomimética [referindo-se às técnicas que reproduzem os traçados orgânicos]”, afirma.

Para Viegas, o fenômeno surgiu no século 21 em decorrência do esgotamento da arquitetura do espetáculo, protagonizada por profissionais com status de celebridade global. “Apesar do casamento eventual com o marketing, motor de uma mera estetização, parece haver uma ênfase nesse sentido de depuração, de ética, de economia de recursos. Isso é benéfico, especialmente porque uma arquitetura que não se pretenda essencial, capaz de promover sol, luz, vista, espaços adequados e correção, não tem mais lugar.”

A evolução do estilo minimalista e suas diversas releituras mundo afora (Foto: Philippe Ruault/divulgação)
O novo edifício do FRAC Nord-Pas de Calais, espaço dedicado a eventos culturais e exposições de arte contemporânea em Dunquerque, França, espelha o prédio vizinho, um antigo estaleiro adaptado para integrar o complexo, inaugurado em 2013 após esta intervenção do escritório Lacaton & Vassal – ganhador do prêmio Pritzker em 2021

NOVOS TEMPOS
Tido como símbolo do minimalismo praticado hoje, o britânico John Pawson discorre em livros sobre sua produção de design e arquitetura. Em Anatomy of Minimum (Anatomia do Mínimo, em tradução livre, Phaidon, 2019, 240 págs.), o autor de residências, igrejas e lojas notórias pela harmonia e sutileza esmiúça os elementos nos quais apoia seu processo criativo. E assim como a pintura neoplasticista ateve-se a pontos, linhas, planos e cores primárias, sua concepção se vale da articulação de componentes como massa, superfície, luz, cor, aberturas, materiais. No tratamento que dispensa aos interiores, Pawson costuma dizer que procura “deixar um intervalo livre entre coisas, objetos e móveis, sem saturar as possibilidades nascentes de preenchê-los”, sinalizando para uma linguagem que contempla o imponderável da vida.

Outro nome celebrado na atualidade, Vincent van Duysen integra o chamado “minimalismo belga”. “É uma versão ‘quente’”, define Rosenberg, ao comentar o trabalho do flamengo, autor de propostas marcadamente sustentáveis, sensoriais e contemplativas. E a lista de adjetivos e nomes só aumenta, em sintonia com a pluralidade contemporânea. Basta lembrar que o próprio Rosenberg atesta sua identificação com mestres portugueses, a exemplo de Álvaro Siza e Eduardo Souto de Moura, que operam num pólo bastante distinto dos colegas citados anteriormente. Há que se contemplar os irrequietos integrantes do Herzog & de Meuron e o plácido Peter Zumthor, luminares, cada um à sua maneira, nesse radar. “Vale considerar ainda o escritório francês Lacaton & Vassal, vencedor do prêmio Pritzker em 2021 graças a uma produção que almeja a menor intervenção possível, pressupondo que já está tudo construído e só resta à arquitetura reconfigurar o existente. É um minimalismo afeito à sustentabilidade”, diz Queiroz.

Os mestres japoneses também figuram no imaginário coletivo como suprassumo do minimalismo praticado hoje. Nomes como Kazuyo Sejima (do escritório Sanaa) e Kengo Kuma fazem jus à linhagem iniciada por Tadao Ando. “O país insular dispõe de poucos recursos naturais, então, ali, a busca pelo essencial é movida pela escassez”, comenta Viegas. “Sem esquecer a importância do zen-budismo e do xintoísmo em sua relação estreita com a natureza, na ideia onipresente de contraste complementar entre yin e yang, luz e sombra… Isso introduz a imagem do espaço negativo, a noção de que cheio e vazio são condição de existência um do outro – sentido importante no movimento moderno e também no minimal”, completa Souza.

MINIMAL À BRASILEIRA
Reconhecido pelos pares como figura estelar no ofício de conceber moradias concisas e com detalhes obsessivamente elaborados (e, por isso mesmo, praticamente invisíveis), o arquiteto Marcio Kogan, do studio MK27, alcançou prestígio internacional. Aparece ao lado de Isay Weinfeld e Arthur Casas como capaz de um resultado no qual formas geométricas simples, arranjadas harmoniosamente e ensejando vazios oportunos, em conjuntos marcados pela parcimônia nos materiais e na ausência de ornamentos, traduzem variantes do desejo por menos.

Outros nomes emergem em resposta à questão do minimalismo hoje, sempre num alinhamento parcial, sobretudo quando entendido não de maneira literal, mas, sim, como resultado de uma experiência espacial. Nunca, porém, são considerados herdeiros diretos da tradição minimal, apenas adeptos de aspectos caros a essa vertente. “Nesse sentido, podemos encontrar conexões no que realizam escritórios como MMBB, SPBR e Una Arquitetos, mais ligados à escola paulista do modernismo brasileiro”, diz Queiroz. “Também dá para incluir a abordagem carioca, se pensarmos pelo ponto de vista da abertura à paisagem”, acrescenta Souza.

CRÍTICA CONSTRUTIVA
“Sempre volto ao texto performático Junkspace, do arquiteto holandês Rem Koolhaas, onde ele sugere que ‘na contemporaneidade, o mínimo é o ornamento supremo, o máximo disfarçado’, acusando uma espécie de barroco da atualidade”, provoca Souza. E alerta para o risco de a corrente que brotou como resistência ao exagero esvaziar-se reduzida a um estilo, no pior sentido do termo, algo frívolo. Faz coro com Queiroz, que vai além. “Esse lifestyle, crescente nos últimos 15 anos, mesmo que pautado no despojamento, pode estar alinhado à agenda do politicamente correto e do engajamento”.

Fonte: Casa Vogue