Arquitetura como reflexão
Com referências da trajetória, projetos e viagens, a Ocupação Paulo Mendes da Rocha celebra os 90 anos de vida, a serem completados em 25 de outubro, do mais importante arquiteto vivo brasileiro. Através de croquis, desenhos técnicos, maquetes e outros materiais selecionados do acervo pessoal de Mendes da Rocha, o curador Guilherme Wisnik revela ao público algumas das ideias mais radicais do arquiteto, que através de sua ideologia e técnica contrapõe e subverte pensamentos coloniais que ainda reverberam na concepção arquitetônica brasileira.
“Paulo detesta exposição de arquiteturinhas, um catálogo de obras do arquiteto”, assim Wisnik inicia a apresentação da Ocupação, na qual aproveita parar evidenciar ideias radicais e ambiciosas de Mendes da Rocha através de onze projetos de escala urbana, sendo que nove deles não foram construídos, ao invés de um repertório de obras icônicas e reconhecidas pelo público. O diálogo entre os trabalhos é tecido através do modo como a escala arquitetônica dialoga com a paisagem e o elemento da água, referenciado principalmente em três projetos que tratam de forma ambiciosa a intervenção na paisagem: Cidade do Tietê, Baía de Montevidéu e Baía de Vitória.
Wisnik nos lembra que o fato de Paulo Mendes da Rocha nascer em Vitória e crescer nessa cidade portuária, com a presença dos “engenhos flutuantes” (como ele mesmo diz), foram fundamentais na formação de sua poética arquitetônica. A partir deste ponto, o curador traz três referências cruciais para o imaginário do arquiteto na exposição, no núcleo intitulado “Genealogia da Imaginação”, que são:
- Os desenhos do pai – Paulo de Menezes Mendes da Rocha (1887-1967), engenheiro dedicado à área de recursos hídricos e navais – para interligação das duas principais bacias hidrográficas do país, do Amazonas e do Prata, de maneira a constituir um sistema único de águas. Com este projeto seria possível entrar no Macapá e sair em Montevidéu numa viagem pelo interior do continente. Uma ação que poderia gerar autonomia econômica para a Bolívia e unificar o território latino-americano como um todo;
- O desmonte hidraúlico do Morro do Castelo no Rio de Janeiro em 1922, centenário da independência brasileira, realizado com jatos de águas de alta pressão que derretia e escoava o solo de argila, que posteriormente seria utilizado para a construção do Aterro do Flamengo. Um projeto que demonstra uma grande virtude da técnica;
- Por fim, a cidade de Veneza. A artificialidade da técnica numa geografia inusitada, o domínio dos canais, a monumentalidade da cidade que conforma um todo.
A partir destes três pontos, fica mais fácil compreender de onde surgem as inspirações para os projetos provocantes que dividem a sala expositiva. Entre eles vale destacar a Piscina Pública da Praça da República, realizado em 2001 a pedido de uma pauta jornalística, o projeto contraria a ideia do verde presente em uma dos principais marcos do centro paulista e propõe uma grande estrutura que ocupa toda a área da praça. O programa apresenta no nível inferior um grande salão de festas para a população de São Paulo e na cobertura uma piscina com desenhos de calçada iguais ao das praias de Ipanema e Copacabana. Segundo o curador “trazer a praia do Rio de Janeiro para o centro de São Paulo é trazer a ideia de um espaço público democrático, um lugar de lazer, desfrute do sol e convívio no meio da cidade, não longe”. Não à toa, Wisnik opta por apresentar a piscina do Sesc 24 de Maio, uma das únicas obras construídas expostas na ocupação, para criar um diálogo com esse conceito.
Outra obra que saiu do papel, mas que ainda está em construção, é o Cais das Artes, que faz parte do Projeto da Baía de Vitória, uma encomenda da prefeitura da capital do Espírito Santo no início dos anos 90 que apresenta uma série de intervenções na orla capixaba. Na maioria delas, o arquiteto opta por construir diretamente no mar, criando uma “relação mais lírica de contraste”, reconhece o curador. Um projeto que exemplifica esta ação é o Museu de Arte de Vitória, para abrigar a Fundação Natura Krajcberg, no qual ao invés de construir pilares, Mendes da Rocha propõe reutilizar gruas abandonadas do porto como estrutura do museu.
Durante toda a exposição as representações em corte são as mais potentes, segundo Wisnik, a representação em secções são fundamentais no processo projetual de Mendes da Rocha pois ele deriva de “um partido estrutural, no qual a estrutura definidora do pensamento vem da técnica”, uma linha de pensamento que segue importantes referências como Artigas e Reidy, por fim, conclui: “o corte manda mais que a planta pois representa a espacialidade da estrutura”.
Por fim, o conceito de trazer ideias radicais e as provocações na exposição ganha ainda mais sentido quando vemos o projeto para a Biblioteca de Alexandria. Guilherme Wisnik narra o episódio da seguinte forma: “O concurso pedia uma biblioteca num terreno urbano, mas ele [Paulo Mendes da Rocha] não resistiu à tentação de colocar um prédio dentro da água, na Península dos Reis… a Biblioteca de Alexandria! O que é o imaginário disso? Uma das grandes obras da antiguidade. Então, ele preferiu enfrentar o conforto monumental com a natureza e optou por fazer dois volumes: um ainda em terra na península e outro dentro da água. No terreno só a recepção, pela qual você atravessa um túnel subterrâneo e chega, de fato, na biblioteca. Mas ele sabia que ao fazer isso seria desclassificado do concurso, pois desobedecia o edital, mas não resistiu e o fez, já que acha mais importante afirmar uma ideia do que ganhar um concurso”.
SERVIÇO
Ocupação Paulo Mendes da Rocha
Local: Itaú Cultural – Av. Paulista, 149 – São Paulo
Visitação: De 13 de setembro a 4 de novembro
Terças-feiras a sextas-feiras, das 9h às 20h (permanência até as 20h30)
Sábados, domingos e feriados, das 11h às 20h
Classificação indicativa: Livre
Entrada gratuita