Arquitetura de emergência: construção in loco ou pré-fabricação?

Se bem que a previsão e prevenção de problemas e danos são fatores cada vez mais relevantes na hora de projetar nossos edifícios, espaços e cidades, determinadas situações extraordinárias ainda escapam ao nosso controle, demandando respostas arquitetônicas imediatas e urgentes, capazes de oferecer abrigo e qualidade de vida às comunidades afetadas por desastres naturais e conflitos das mais variadas ordens, soluções que – nos casos mais extremos – podem ser a única chance de sobrevivência para muitas pessoas.

Desastres naturais como terremotos, tsunamis, furacões, inundações assim como conflitos armados, disputas territoriais ou outras crises humanitarias de escala mundial – como a atual pandemia de COVID-19 –, demandam uma reação imediata para controlar e evitar o agravamento das suas consequências – ajudando a salvar vidas. A arquitetura de emergência pode ser definida como uma resposta construtiva que faça frente às necessidades humanas mais urgentes, as quais emergem em momentos de crise e situações excepcionais, materializadas em forma de infra-estruturas responsíveis que buscam oferecer soluções imediatas abrangendo desde abrigos para acolher pessoas em situação de emergência até instalações de saúde e atenção médica nas zonas afetadas.

Sejam voltadas à comunidades carentes, campos de refugiados, ou zonas afetadas por desastres naturais, a resposta arquitetônica, assim como a abordagem e os critérios escolhidos ao conceber um projeto desta ordem, dependerá de fatores como a escala do desastre, a quantidade de pessoas afetadas, a urgência da resolução do problema, a disponibilidade de materiais, a localização geográfica, os recursos econômicos disponíveis, o apoio técnico oferecido pelas entidades governamentais e a participação de agências de ajuda humanitária.

Ainda que as especificidades de cada projeto estejam subordinadas pelos fatores elencados acima, em geral, há duas posturas possíveis a se tomar quando se trata de projetar e construir abrigos emergenciais. Por um lado, temos os protótipos pré-fabricados – total ou parcialmente –, estrutura semi-prontas que podem ser transportadas até as áreas afetados por terra, água ou ar. Abrigos pré-fabricados comumente possuem estruturas flexíveis e em algunos casos modulares, facilitando a adaptação a diferentes climas e terrenos – como exemplos desta categoria temos os sistemas montáveis, as estruturas retráteis, os pavilhões infláveis e membranas têxteis–, sistemas que em geral são bastante compactos e fáceis de transportar. Por outro lado, outra opção são os projetos construídos in loco, os quais possibilitam a utilização de técnicas construtivas e o emprego de materiais locais, permitindo a participação ativa da comunidade nos processos construtivos. A escolha do sistema dependerá tanto da urgência da situação como da localização geográfica, assim como da disponibilidade de recursos econômicos, humanos e materiais.

No atual contexto da maior crise sanitária dos últimos séculos – decorrente do surto de coronavírus ou COVID-19 –, onde a superlotação dos centros de atenção médica e a falta de espaço nos hospitais estão demandando ações e medidas extraordinárias, comparar os dois exemplos mencionados anteriormente pode ser de grande utilidade para analisarmos quais soluções podem ser as mais adequadas para cada caso específico, ajudando-nos a refletir sobre como estas técnicas –que em um primeiro momento podem parecer polarizadas– podem ser empregadas para a construção de estruturas híbridas, mas quais sejam eficientes e rápidas de construir, e que ainda assim, colaborem com a preservação da identidade material local, integrando as comunidades através de processos participativos de construção.

Sistemas pré-fabricados

A principal vantagem dos protótipos pré-fabricados é que eles demandam pouco tempo de montagem e mão de obra, resultando em uma construção mais rápida, permitindo assim uma resposta imediata em um período reduzido de tempo. Como este tipo de estruturas emergenciais costumam ser de caracter temporário, podendo ser montadas e desmontadas rapidamente, um dos seus principais benefícios é o baixo impacto no terreno e na paisagem natural ou urbana. Quando removidas, estas estruturas sequer deixam sinais de sua presença – podendo ser reutilizadas posteriormente em outros locais ou situações específicas. Os projetos de estruturas emergenciais pré-fabricadas costumam ser genéricos e flexíveis, uma vez que devem poder adaptar-se a todo tipo de terreno ou clima. Neste sentido, as decisões de projeto devem ser abertas e permitir possibilidades de adição e alteração dos módulos segundo cada caso.

O Designnobis desenvolveu o projeto “Tentative”, um abrigo de resposta a desastres que pode ser implementado em quase qualquer terreno e clima. Quando desmontada, Tentative tem 4 metros de comprimento, 2 metros de largura e 30 centímetros de altura, e 24 unidades podem ser carregadas por um pequeno caminhão.

Tentative, espaço para vítimas de desastres naturais. Image Cortesia de Designnobis
Tentative, espaço para vítimas de desastres naturais. Image Cortesia de Designnobis

 

Pull, refúgio portátil e desmontável / Jonathan Balderrama

Este projeto desenvolvido por Jonathan Balderrama é uma proposta de altíssima versatilidade e durabilidade, a qual pode ser utilizada durante situações emergenciais e crises humanitárias de qualquer ordem, sejam desastres naturais ou conflitos armados. Este “refúgio portátil”, como o próprio arquiteto nomeou a proposta, foi concebido como uma unidade modular pré-fabricada que pode ser facilmente acoplada uma a outra para dar forma a diferentes configurações espaciais, construindo acampamentos adaptáveis em qualquer tipo de terreno.

Pull, refúgio portátil e desmontável. Image Cortesia de Jonathan Balderrama
Pull, refúgio portátil e desmontável. Image Cortesia de Jonathan Balderrama

 

JUPE HEALTH projeta módulos móveis de terapia intensiva para atender a demanda causada pelo COVID-19

O projeto criado pela start-up JUPE HEALTH surgiu como uma resposta imediata ao déficit de leitos hospitalares dedicados ao tratamento de pacientes de COVID-19 nos Estados Unidos. Os módulos de terapia intensiva estão configurados por um chassi modular expansível que pode ser dobrado e empilhado para facilitar o seu transporte até as áreas afetadas.

Unidades Hospitalares móveis. Image Cortesia de JUPE HEALTH
Unidades Hospitalares móveis. Image Cortesia de JUPE HEALTH

Sistemas construtivos in loco

Como Ian Davis explica em seu livro “Arquitectura de emergencia, tecnología y arquitectura”, os sistemas construidos in situ a partir de materiais locais amplamente conhecidos pelos usuários e pela mão de obra local são mais bem recebidos pois se adaptam melhor ao clima e a geografia do lugar, além de integrar as comunidades afetada nos processos de construção. Esta abordagem aporta uma série de benefícios associados à cultura do lugar (pois permite edificar estruturas já conhecidas e empregar materiais locais, adaptados aos modos de vida e a realidade destas comunidades), possibilitando ainda uma maior durabilidade deste projetos (uma vez que a manutenção pode ser realizada pelos próprios usuários a partir de insumos locais, a diferença do que acontece com os sistemas pré-fabricados os quais na maioria dos casos acabam vindo de muito longe). A condição essencialmente temporária das estruturas emergenciais nem sempre se confirma na prática à proporção que muitos dos protótipos concebidos como soluções emergenciais acabam se convertendo em estruturas permanentes, mais uma razão pela qual as técnicas construtivas e materiais locais podem ser mais úteis e adequados neste contexto.

Protótipos de habitações temporárias de bambu / rOOtStudio

O rOOtStudio projetou e construiu um protótipo de habitação temporária emergencial em resposta à crise habitacional decorrente do terremoto que devastou o Nepal em 2015. Utilizando materiais locais e acessíveis – tijolos dos edifícios destruídos pelo terremoto –, os protótipos respondem à necessidade de habitação que possa ser construída rapidamente com o objectivo de proporcionar independência e abrigo imediato, ao mesmo tempo que, introduzem técnicas básicas de construção através de uma colaboração entre moradores e voluntários que vieram para a região.

Protótipos de moradia em bambu no Nepal. Image Cortesia de rOOtstudio
Protótipos de moradia em bambu no Nepal. Image Cortesia de rOOtstudio

 

Dormitórios Temporários / a.gor.a Architects

A Escola CDC construiu uma série de dormitórios temporários na cidade de Mae Sot, na Tailândia, a poucos quilômetros da fronteira com a Birmânia, voltados a oferecer alojamento e educação para refugiados e imigrantes. Os materiais de construção utilizados – madeira reciclada, bambu e palha – são localmente disponíveis e bem conhecidos pela mão de obra local, permitindo, assim, fácil manutenção e preservação das técnicas tradicionais de construção.

Dormitórios Temporários. Image Cortesia de a.gor.a Architects
Dormitórios Temporários. Image Cortesia de a.gor.a Architects

 

Abrigo Temporário no Nepal / Charles Lai + Takehiko Suzuki

O Abrigo Temporário projetado pelos arquitetos Charles Lai e Takehiko Suzuki é mais uma proposta de abrigo emergencial voltado às vítimas do terremoto de 2015. Construído de forma eficiente utilizando varas de bambu e outros materiais baratos e com ampla disponibilidade no local, a estrutura do abrigo representa uma solução de habitação temporária que pode ser facilmente construída pelos trabalhadores locais independentemente se experiência prévia neste tipo de construção, e o que é melhor, em um período de 2 a 3 dias.

Refúgio Temporário no Nepal . Image Cortesia de Charles Lai, Takehiko Suzuki
Refúgio Temporário no Nepal . Image Cortesia de Charles Lai, Takehiko Suzuki

 

Ainda que as especificidades de cada projeto dependam das circunstâncias específicas de cada caso – e que portanto não existe uma solução melhor ou pior – as investigações projetuais devem considerar todas as nuances possíveis para escapar à esta dualidade, utilizando sempre que possível um grau mínimo de pré-fabricação, a qual pode ser aplicada em conjunto com o emprego de materiais e técnicas locais, possibilitando incrementar a vida útil destas estruturas e otimizar o tempo de  construção. Também é preciso ter em mente as possibilidades que os novos materiais e tecnologias nos proporcionam, como a robótica, a impressão 3D, os processos automatizados, assim como projetos paramétricos. A exploração de novas possibilidades não necessariamente devem ser polarizadas e é preciso analizar todas as possibilidades associadas a cada situação específica antes de agir, permitindo alcançar um equilíbrio entre todos os fatores e alcançar uma solução capaz de otimizar o  tempo de construção mas sem deixar de lado a preservação da identidade cultural das comunidades afetadas.

Fonte: ArchDaily