Arquitetura hostil: o que é e como se manifesta na cidade
Em São Paulo, caso de pedras instaladas sob viaduto ganhou forte repercussão após padre Júlio Lancelotti, da Pastoral do Povo de Rua, retirá-las à marretadas
Na contramão de uma cidade acolhedora e sociável, a arquitetura hostil está aí para afastar. Ela se manifesta por meio de barras ao centro de bancos, gradis ao redor de uma praça, espetos afiados em canteiros e pedras pontiagudas sob viadutos. O intuito é inibir que pessoas usem esses espaços para descanso ou lazer, e atinge principalmente as que vivem em situação de rua.
Na cidade de São Paulo, um exemplar de hostilidade chamou atenção quando a prefeitura instalou pedras sob um viaduto na Zona Leste. A gestão Bruno Covas (PSDB) informou em nota que a implantação foi uma decisão isolada. “Foi imediatamente determinada a remoção e instaurada sindicância para apurar os fatos, inclusive o valor, e um funcionário já foi exonerado do cargo”.
O caso ganhou ainda mais repercussão quando o padre Júlio Lancellotti, coordenador da Pastoral do Povo de Rua, viu funcionários da prefeitura removerem as pedras. Ele pegou uma das marretas e ajudou a quebrá-las.
“Eles colocaram pedras pontiagudas debaixo do viaduto alegando que era para evitar descarte de lixo, mas era para presença de pessoas em situação de rua”, disse. “Hoje [quarta-feira, dia 3] arrancaram tudo, passaram cimento em cima, muito mal acabado e não sabem o que vão fazer ali”.
Em levantamento realizado em 2019, a prefeitura informou que, na capital, 11.693 pessoas estão acolhidas em albergues e 12.651 encontram-se rua. Para Lancelotti, com a pandemia, já possível perceber um crescimento.
“Tem um maior número porque mais gente perdeu emprego, temos menos oportunidade de trabalho, há gente se movimentando pelo Brasil. É uma mobilização muito grande e essas pessoas não têm onde morar”, disse.
“A locação social é uma das alternativas. São Paulo tem mais casas sem gente do que gente sem casa”. Para efeito imediato, o ideal é a bolsa aluguel, repúblicas, moradias provisórias, e parceria com redes hoteleiras.
“Já vi outros casos. Todas as outras administrações já fizeram isso. Quando não sabem o que fazer, eles fazem o que sabem”, disse.
“A primeira ação que vi nesse sentido, por meio do design, quase 20 anos atrás, foi com bancos, que eram de concreto, retos, para quatro pessoas, e mudaram para um ondular. No cume, ele fica pontiagudo”, conta o arquiteto e urbanista Jorge Bassani, professor da faculdade de arquitetura da USP. “Fica muito claro o design no serviço da exclusão. A gente vê isso e a sociedade assimila de alguma forma e apoia”.
“A foto com o padre Júlio dando marretadas arrepia porque é a imagem perfeita do que é a nossa cidade”, disse. “O reverso disso, nem é a arquitetura generosa, o contrário é ter noção do que é público. Seria o acolhedor, acessível, respeitoso e democrático”.