Casas mais antigas de Manaus retratam arquitetura
Ao longo caminho que é percorrido até chegar o local onde estão situadas as residências, é possível fazer uma viagem de volta ao tempo e embarcar nas histórias contadas por gerações mais antigas que ajudaram a construir a imagem da ‘Manaus Antiga’ e seus cenários. De início, é possível se deparar, logo de cara, com a Praça Dom Pedro, um dos logradouros mais antigos da capital, inaugurado em 1897. Segundo o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a praça foi construída sobre um cemitério indígena, descoberto no final do século 19, e registrado como sítio arqueológico na década de 60 do século 20.
A arquitetura ao redor chama atenção. A Rua Bernardo Ramos parece uma maquete, com residências alinhadas e coloridas. As casas relembram as construções da Manaus “Belle Époque”, um período marcado por luxo e beleza durante seu histórico. Todas as residências da via parecem seguir o mesmo padrão. Mas não todas. Quase no fim desta rua, duas moradias saltam aos olhos. Quem por ali passa nem imagina que, por trás de um tapume de alumínio [por conta da reforma], existem quase dois séculos de história.
E lá estão elas. As casas mais antigas de Manaus. A construção é aparentemente simples, não há tanto luxo. Ao contrário das outras casas, que seguem arquitetura padronizada, as casas 69 e 77 foram construídas com o telhado completamente à mostra.
De acordo com a arquiteta Ana Lúcia Abrahim, essa característica mostra que, antigamente, as famílias mais simples e comuns costumavam construir residências com telhado de barro, sem qualquer fachada além.
“As casinhas mantiveram aquela arquitetura do cotidiano, que é uma arquitetura bem colonial. E é um estilo que nós não temos mais em Manaus, é algo interessante. É pela simplicidade dos moradores. Pela falta de dinheiro, de ficar investindo em um imóvel em que eles apenas moravam. Então, vemos pelos ‘beirais’ do telhado, por exemplo. A telha aparente não existe na arquitetura clássica nem eclética que tem aquela platibanda”, explica Ana Lúcia.
Em relação às construções do período colonial, para poder compreendê-las, deve-se analisar que, antigamente, os construtores antigos viam a casa como a fundamental proteção do homem. Para entender essas moradias antigas, é essencial entender, primeiramente, as circunstâncias em que as mesmas foram construídas no passado. No período colonial as ruas e casas eram desalinhadas e não haviam as edificações administrativas. A época foi marcada por uma urbanização lenta e insipiente.
O diretor do Paço Municipal, Leonardo Novellino, relata que, pelo tipo de arquitetura em que as residências foram construídas, elas representam um valor arqueológico para Manaus.
“O tipo de arquitetura é de transição, esse que é o valor dela. De repente, vemos a construção como nós conhecemos de uma casa né? Então ela [residência] também é um testemunho de um tipo de arquitetura que era utilizada antigamente. E depois passa por outro tipo de arquitetura, então é um valor arqueológico também. Porque a arqueologia é a ciência que trata das coisas materiais que as civilizações do passado nos legaram. Então ela é um material arqueológico”, conta Novellino.
Uma das características da arquitetura do período colonial dentro das residências é nítida. Pelas paredes, os contornos da construção são percebidos. Quem olha, pensa: “é muito torto”. Explica-se: é apenas algo construído sem um apoio. Os considerados “erros” da construção, seguem mantidos para conservar a marca do que era.
“A forma de construir, ela é muito antiga. Certamente ela é do período colonial e resistiu às transformações urbanísticas que vieram acontecendo. O período da colônia, do império, da república até o século 21. Então ela permanece como um elemento arqueológico e que faz refletir as diversas mudanças no panorama urbanístico da cidade”, completa Novellino.
A construção das residências foi definida pela arquiteta Ana Lúcia como “vernacular”, que se refere às construções que utilizam materiais locais, técnicas tradicionais, tipologias regionais e adequadas ao ambiente. Como utilizaram taipa, se enquadra nesta forma de arquitetura ao se integrar ao ambiente. Usam materiais orgânicos e, principalmente, por ter resistido ao teste do tempo, é considerada sustentável. O mistério fica: quem foi a família pioneira no local?
“A casa é uma arquitetura anônima, chamada arquitetura do cotidiano. Ela não é um monumento público. O monumento público ele tem uma história porque ele é público e porque pessoas ilustres, da sociedade estiveram ali. Isso aqui era uma casa de moradores anônimos, auto-construídos. E por isso ela ficou aqui preservada. A casa conta pra gente a sua história, a época que ela foi feita, mas não sabemos quem a fez”, explica a arquiteta.
As residências da Rua Bernardo Ramos simbolizam ícones arquitetônicos do período colonial. São valores ali representados e conservados. Além da paisagem urbanística da cidade, em um Centro histórico, as casas são como uma joia. O Centro da capital Amazonense é uma grande estrutura da joalheira. Representado por cada monumento, residência ou prédio, sendo um marco zero na cidade.
Histórico e relatos das residências
A residência de número 69 possui 137,86 m², e já funcionou como um escritório de contabilidade, há mais de dez anos, quando foi desapropriada pela Prefeitura por conta do valor histórico da casa.
Ao entrar no local, é possível se deparar com a porta larga, uma característica que representa as antigas casas do Centro de Manaus. Logo, uma sala social. Era comum naquela época as janelas da sala possuírem visão para a rua, os moradores costumavam ficar nas janelas das suas residências confraternizando. Era um momento tradicional daquele tempo.