Dicas para o consumidor: Controle de qualidade de obras evita tragédias
“Segundo Sol”, atual novela do horário nobre da TV Globo, abordou recentemente as consequências drásticas, e porque não dizer dramáticas, do uso de materiais não conformes na construção de um condomínio residencial, onde foi utilizada areia de praia no lugar da convencional. Na novela, uma personagem morre e muitas famílias ficam desabrigadas. Se fosse apenas ficção, tudo estaria bem, mas infelizmente a novela retrata uma realidade: há 20 anos um edifício residencial desabou no Rio de Janeiro, matando oito pessoas, exatamente pelo mesmo motivo; e cotidianamente são registrados problemas com diversos graus de gravidade em edificações no Brasil.
Para não cair nas mãos de construtoras que burlam as leis e a fiscalização e evitar comprar uma baita dor de cabeça, ou até mesmo sofrer acidentes graves e ficar desabrigado, como na novela, o consumidor precisa estar atento, na hora de adquirir um imóvel, se o empreendimento passou por um rígido controle de qualidade, que garante que projetos, processos e materiais utilizados estão dentro dos padrões exigidos pelos órgãos reguladores. De acordo com a ABRATEC – Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Construção Civil**, o controle de qualidade garante a segurança, a durabilidade, a habitabilidade e as características estéticas da obra, além de reduzir custos e valorizar o patrimônio adquirido exatamente pelo que oferece: qualidade.
“A qualidade de um edifício começa pelo projeto arquitetônico, que leva em conta suas condições funcionais e deve estar bem integrado aos demais projetos (estrutural, elétrico, hidráulico, entre outros), se concretizam na execução, e será mantida se obedecidas às condições de uso, operação e manutenção preventiva especificada. Quando a qualidade é foco desde a etapa de projeto há também redução de custo da edificação através da definição e aplicação adequada dos materiais de construção, pois as empresas gastam aproximadamente 20% do seu faturamento refazendo trabalhos ou tentando reparar seus erros, esse custo de certa forma é repassado ao consumidor final”, diz a engenheira civil Patrícia Falcão Bauer*, associada à ABRATEC pela Falcão Bauer Centro Tecnológico de Controle da Qualidade, e Mestre em Materiais de Construção pela Poli-USP.
Conforme Bauer explica, é fundamental ainda que esse controle seja feito por uma empresa terceira isenta, ou seja, que não seja nem a construtora do imóvel nem a concreteira. “É importante o consumidor final saber que há empresas especializadas nesse controle de qualidade e exigir da construtora que elas sejam contratadas não só para controle dos materiais como também para acompanhamento da execução, principalmente na etapa da concretagem, na qual as falhas são mais danosas. Também é importante ressaltar que a empresa responsável pelo controle deve ter acreditação da Cegecre do Inmetro, um grande diferencial que garante a confiabilidade do serviço prestado”, enfatiza a engenheira Bauer.
O engenheiro Rogerio Perini* associado à ABRATEC pelo Grupo Egis, destaca ainda que o consumidor pode averiguar se a obra tem controle de qualidade dentro das normas por meio das suas certificações. “Existem certificados emitidos por empresas certificadoras ou conduzidos pelo próprio fabricante, tanto para os materiais quanto para a execução da obra. Em alguns produtos constam os selos de certificação; para outros é possível obter com o fabricante o documento de certificação de seu produto. Em geral são confiáveis, porém o controle é feito por amostragem estatística, referenciada por um padrão normativo que estabelece as condicionantes de rastreabilidade e qualidade inferida. Então, para que haja uma garantia total, o ideal é que as construtoras façam os ensaios nos lotes dos materiais que elas estão comprando durante a fase de recebimento na obra”, explica.
Perini complementa que, geralmente, as construtoras divulgam quem é a empresa terceirizada responsável pelo controle de qualidade da obra e dos materiais. “O consumidor também pode checar no memorial descritivo da obra se os materiais utilizados são certificados por Organismos de Certificação, e quando houver citação de que poderá haver uso de produto similar, que o similar também seja certificado”.
Problemas mais comuns
Não há um ranking específico que mostre quais são os problemas mais comuns enfrentados pelos consumidores por falta de controle de qualidade nas obras. Mas a engenheira Patrícia Bauer cita, entre os mais sérios, os que afetam a estrutura das edificações, como deformação e fissuras em lajes e vigas, que podem comprometer a funcionalidade da mesma e costumam ocorrer pelo não cumprimento das especificações de projeto. “Também pode ocorrer oxidação de armaduras por falta de cobrimento adequado e um consequente desplacamento do concreto, comprometendo a resistência das estruturas”, ela diz, observando que, em casos extremos, o imóvel pode até ser comprometido e interditado.
Segundo a engenheira, os problemas mais frequentemente encontrados estão nas fachadas, como infiltrações, queda de revestimento, desgaste rápido da camada de emboço e desplacamento de revestimento cerâmico. “Ocorrência exagerada de fungos em pinturas, manchas precoces, vazamentos em sistemas hidráulicos e caixilhos, isolamento acústico precário, ralos executados em cota mais elevada que o nível do piso, fazendo com que a agua não escoe sozinha, também são problemas muito comuns”, afirma. Bauer acrescenta que “outro problema que costuma assustar bastante os moradores são estalos e fissuras na alvenaria, muitas vezes causados pela falta de acomodação das estruturas antes da execução do seu encunhamento”.
Valorização do patrimônio
Os associados da ABRATEC observam que um bom controle de qualidade tende a valorizar o patrimônio imobiliário e a reduzir custos, como os de condomínio. “É difícil quantificar essa valorização, no entanto a falta do controle ou sua realização de forma inadequada pode desvalorizar muito o patrimônio na hora da venda”, diz engenheiro Rogerio Perini da Egis. Em relação à redução de custos condominiais, ele explica que produtos com qualidade e aplicação adequados requerem muito menos manutenção e minimizam as possibilidades de retrabalho.
“O controle reduz muito os custos de condomínio e dores de cabeça com questões jurídicas, pois obras de intervenção ou recuperação parcial ou total em fachadas e elementos estruturais podem acarretar despesas relativamente elevadas e processos advocatícios de responsabilidade civil. Os valores são muito relativos conforme o tipo de problema e o padrão do condomínio. Um fundo de obras para uma questão estrutural séria pode mais do que dobrar o valor da taxa condominial por um período de tempo. Melhorar a qualidade custa muito menos do que pagar pelo erro ou omissão da qualidade dos materiais e da sua aplicação”, enfatiza Rogério Perini.
Patrícia Bauer orienta que os consumidores com problemas de controle de qualidade de imóvel adquirido devem procurar uma empresa especializada em consultoria técnica para uma avaliação. “É vital saber se há riscos para os ocupantes do imóvel e levantar os problemas, suas possíveis causas e responsáveis para poder solucioná-los da melhor maneira possível. Além do controle da qualidade, após a entrega da edificação, existem responsabilidades sobre o seu correto funcionamento e manutenção preventiva indicada, o consumidor também deve dar muita atenção a esses dois itens para evitar problemas”, alerta Bauer.
Fonte: Jornal da Construção Civil