Entenda como funciona a fiscalização para o uso de madeira brasileira
O angelim-vermelho e o cumaru são algumas das espécies exportadas para a aplicação no design e na arquitetura, mas o segundo já tem um controle mais rigoroso devido ao risco de extinção
A madeira é um material muito usado na construção civil e produção de mobiliários. Além do uso em território nacional, há espécies exportadas para projetos arquitetônicos e de design mundo afora.
Para o manuseio nesses setores, as exportações de madeiras brasileiras costumam ser separadas pelo tipo de produto, como deques, vigas, madeira serrada em tábuas, pranchas, pisos, assoalhos, entre outros, segundo a área técnica do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). A mesma classificação vale para os projetos realizados no Brasil.
Conforme Marcelo Mujalli, presidente da Associação Brasileira de Designers de Interiores (ABD), há uma tradição no país de que a madeira está relacionada com conforto, sofisticação e elegância. Além disso, a durabilidade e sua fácil adaptação com qualquer estilo são outros fatores que chamam a atenção. “Ela também facilita a composição de texturas ou cores com outros materiais, além de aumentar o isolamento térmico e acústico”, diz.
Internacionalmente, esse tipo de matéria-prima brasileira é a fonte da criação de painéis de parede e tetos, para os ambientes internos. Já às áreas externas, o material é aplicado em móveis para jardim, revestimentos e molduras de janelas e portas, segundo o diretor de governo e questões públicas da International Wood Products Association (IWPA), Joe O’Donnell.
“Os construtores norte-americanos valorizam muitas espécies brasileiras por sua beleza natural e resistência a condições climáticas”, afirma.
As madeiras brasileiras mais exportadas
Conforme o Relatório dos Painéis Analíticos da Gestão Madeireira, do Ibama, as espécies mais exportadas para o uso nos setores de design e arquitetura são:Tabebuia serratifolia, Dinizia excelsa, Hymenaea courbaril, Dipteryx odorada, Manilkara huberi, Handroanthus serratifolius, Apuleia leiocarpa, Mezilaurus itauba e Astronium lecointei.
Dessas, Joe destaca o ipê (Tabebuia), cumaru (Dipteryx odorata), garapa (Apuleia leiocarpa) e jatobá (Hymenaea courbaril) como as mais vendidas para o exterior.
Conforme o relatório de 2022 do Ibama, a União Europeia é a maior compradora de produtos madeireiros brasileiros – foram cerca de 143 mil m³ do material, ultrapassando o valor de R$ 1 bilhão. Em segundo lugar, encontram-se os Estados Unidos, com uma compra de quase 83 mil m³ e um custo de cerca de R$ 1 bilhão. Ainda, o documento destaca o Pará e o Paraná como os maiores centros exportadores para essas regiões.
Espécies em risco de extinção
A Convenção sobre Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção (Cites) regulamenta o processo de exportação e importação da fauna e da flora para prevenir extinções. Para isso, a convenção faz uma listagem em três anexos, no qual o primeiro indica as plantas e os animais que estão mais ameaçados.
Segundo o Ibama, algumas das espécies vegetais mais exportadas e usadas no Brasil já constam no anexo 2 (com efeitos a partir de 2024). Trata-se da Dipteryx odorata e do Handroanthus serratifolius, um tipo de ipê-amarelo. Outras estão na Portaria MMA n° 443/2014 – lista das espécies da flora brasileira ameaçadas de extinção – como a Araucaria augustifolia, Apuleia leiocarpa e Mezilaurus itauba.
Como criar projetos sustentáveis?
Os dados acima mostram a necessidade dos setores de design e de arquitetura em propor soluções cada vez menos prejudiciais ao meio ambiente. “Atualmente, o conceito do uso da madeira mudou bastante e depende muito de nós, profissionais da área, especificar nos projetos a madeira de maneira sustentável”, destaca Marcelo.
Para ele, uma forma com menos impacto é o uso do bambu, por ser uma opção mais ecológica ao desenvolvimento de pisos e a criação de objetos de decoração. “Seu plantio se regenera muito mais rápido que o de uma árvore comum, pois [o vegetal] não precisa ser replantado. Ele cresce por conta própria e, assim, evita o desmatamento.”
Michael Snow, diretor-executivo global da American Hardwood Export Council (AHEC) cita a tecnologia da madeira termicamente modificada. O método consiste na alteração de uma espécie para produzir um produto mais resistente a fenômenos climáticos, como ventos e chuvas fortes.
“Pode-se reduzir o impacto de carbono, substituindo construções de concreto por madeira e materiais sustentáveis, no geral”, diz. Segundo Michael, essa tendência já é crescente em países europeus, Estados Unidos e Japão.
Como saber se madeira usada em um projeto é legal e sustentável?
Ao fechar um acordo para a construção de um ambiente ou ao comprar um móvel que usa madeira, é necessário o consumidor ter consciência dos procedimentos legais e sustentáveis da sua aquisição.
Conforme Michael, o primeiro passo é saber a origem da madeira. “Se, por exemplo, ela é de uma área com desmatamento, vale pesquisar bem e verificar se tem uma certificação envolvida”, orienta. Um tipo de certificação é o que indica se o produto é de reflorestamento, baseado em questões socioambientais, como lembra Marcelo.
“Caso não conste esses dados, pode-se optar por materiais compostos por aglomerados de madeira, como o MDF melamínico, presente nas empresas de marcenaria planejada de armários e cozinhas”, pontua. “Ou, então, o uso de madeira do tipo eucalipto e pinus, para acabamentos do projeto, muito comum no Sul e Sudeste, já que possui várias áreas de reflorestamento certificadas”, complementa.
Embora seja trabalhoso saber a verdadeira origem do material, Marcelo sugere a verificação do selo do Conselho de Gestão Florestal (FSC, na sigla em inglês), além do Documento de Origem Florestal (DOF).
“Se não tiver essas informações, o Estado de São Paulo possui um selo de identificação de madeira sustentável, o Madeira Legal, emitido pela Secretaria do Meio Ambiente do Estado. Isso assegura que parte do material teve uma vistoria e seus documentos foram analisados”, indica o presidente da ABD.
Ainda, quando se trata da exportação da matéria-prima brasileira, Joe explica que a cadeia de custódia do país é composta por uma série de documentos para controlar a legalidade e a sustentabilidade de todo o produto colhido, processado ou comercializado.
“O sistema permite um rastreamento transparente, desde o Plano de Gestão Florestal até o porto de exportação no Brasil. Ainda, há a autorização de colheita, acompanhamento fiscal e de rendimento, controle de transporte entre serrarias, indústrias, armazéns e, por fim, o porto”, ele destaca.
Recentemente, o assunto voltou à tona com a aprovação pelo Parlamento Europeu de uma norma que proíbe a venda no continente de produtos oriundos do desmatamento. A lei barra a comercialização de qualquer bem relacionado ao corte de florestas, ilegal ou não. Após um período de transição, previsto para acabar em agosto de 2024, as empresas europeias terão que garantir com um documento auditado que o produto importado, produzido após 2020, não é proveniente de terras desmatadas.
Conforme o Ibama, há uma série de normas que regulamentam os procedimentos para a autorização de exportação de produtos e subprodutos madeireiros de espécies nativas, oriundos de florestas naturais ou plantadas.
Dentre elas, estão a Instrução Normativa Ibama n.º 8, de 5 de março de 2022, que também visa controlar a exportação de cargas de madeira nativa no âmbito do Ibama, e a Instrução Normativa n.º 17, de 1º de dezembro de 2021.
A Instrução Normativa n.º 21, de 24 de dezembro de 2014, por exemplo, instituiu o Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais (Sinaflor) para controlar a origem da madeira, do carvão e de outros produtos e subprodutos florestais, além de integrar os respectivos dados dos diferentes entes federativos.
Há também o Decreto n.º 3.607, de 21 de setembro de 2000, sobre a implementação da Convenção sobre Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção (CITES) e outras providências.
Ainda, segundo o órgão, existe a Portaria n.º 8, de 3 de janeiro de 2022, que instituiu no âmbito do Ibama a Plataforma de Anuência Única do Brasil (PAU Brasil) para uso nas atividades de comércio exterior que envolvem produtos e subprodutos da biodiversidade.
Por fim, a Portaria SECEX n.º 19, de 2 de julho de 2019, emite licenças, autorizações, certificados e outros documentos (LPCO) públicos de exportação através do Portal Único de Comércio Exterior do Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex).
“Todos nós, designers de interiores e consumidores, somos responsáveis pela escolha que fazemos e devemos sempre escolher a opção correta”, finaliza Marcelo.