Inteligência artificial e arquitetura: como a tecnologia está mudando a forma de projetar e vivenciar o espaço

A tecnologia é uma realidade em nossas vidas, principalmente quando se trata da inteligência artificial (IA). Ela utiliza algoritmos para sugerir filmes e séries, para destacar artigos e notícias que possam nos interessar ou recomendar músicas ou podcasts que despertem o nosso interesse. Estes sistemas também permeiam outras tarefas cotidianas, como a sugestão de rotas de viagem, ou veículos auto dirigidos, otimização de recursos e sistemas de economia de energia e a capacidade de armazenamento e suprimento de mercadorias. Com todas essas facilidades fica até difícil não “depender” da tecnologia para sobreviver hoje em dia e a IA ocupa um papel importante nessa relação.

Em linhas gerais, a inteligência artificial é geralmente entendida como a teoria e o desenvolvimento de sistemas computacionais capazes de realizar tarefas que normalmente requerem o uso da inteligência humana. O termo é frequentemente aplicado à capacidade de uma máquina ou sistema de raciocinar, descobrir significados, generalizar ou aprender com as experiências prévias.

Hoshinim [CC BY-SA 4.0]

Dentro da arquitetura, essa tecnologia tem a capacidade de abrir inúmeras portas com potencial de tornar nossa profissão mais fácil, mais eficiente e ainda mais segura. Os sistemas se destacam na solução de problemas, com respostas claras para tarefas repetitivas, o que por sua vez, libera tempo para sermos criativos e trabalharmos em questões mais subjetivas. Ou seja, apesar do The Economist afirmar que 47% do trabalho realizado pelos humanos terá sido substituído por robôs até 2037, as tarefas que envolvem alto nível de criatividade e interação humana como arquitetura são as mais difíceis de serem substituídas indicando um futuro no qual homem e máquina trabalharão coletivamente.

Independentemente se somos mais Madame Arpel, entusiasmados pelas novas tecnologias, ou mais Mr. Hulot, desconfortáveis com as inúmeras inovações, uma coisa é fato: a inteligência artificial já faz parte do nosso dia a dia, profissional e pessoal. O que nos resta, portanto, é entender como podemos tirar o máximo de proveito dessas tecnologias para facilitar o nosso trabalho.

A arquitetura não segue ciclos econômicos ou de moda, segue ciclos de inovação gerados por desenvolvimentos sociais e tecnológicos. A sociedade contemporânea não para e as edificações precisam evoluir com novos padrões de vida para corresponder às novas necessidades. – Zaha Hadid.

A seguir, apresentamos algumas das estratégias de inteligência artificial que já estão sendo aplicadas na arquitetura, seja no processo de projeto, na construção ou no cotidiano do usuário.

Automação/Domótica

Quando se fala em inteligência artificial aplicada à arquitetura a automação ou domótica é o primeiro exemplo que vem à cabeça. Apesar do mais usual ser sua aplicação nos quesitos de iluminação e aquecimento, auxiliando principalmente na economia de energia, a domótica pode ser vista hoje ocupando diversos papéis como gerenciamento e reuso de águas pluviais ou nos sensores que monitoram vazamentos ou mau funcionamento de alguma instalação.

Seura SMART Mirror. Image Courtesy of Seura

Além desses, inúmeras facilidades são oferecidas pela IA dentro das residências de secadores de corpo a escovas de dentes para verificação de saúde bucal, a gavetas que aquecem as toalhas, a pisos que enviam um alerta se você cair, enfim, as possibilidades parecem infinitas e deixariam a Madame Arpel abismada.

Realidade Aumentada

A realidade aumentada é outro tópico que logo vem à mente quando se fala sobre a inteligência artificial. Um grande foco atual da tecnologia de inteligência artificial é melhorar a experiência do cliente no processo de projeto por meio de diferentes estratégias que se aproximam cada vez mais da realidade e esta é uma delas. Dos videogames aos projetos arquitetônicos, a realidade aumentada permite simular não somente a estética do projeto, mas inclusive seus sons, criando uma atmosfera muito próxima ao real que, por sua vez, auxilia o cliente na compreensão do projeto.

Além disso, a realidade aumentada também pode ser utilizada nos canteiros de obra. Assim como o artigo anteriormente citado afirma, diferente da realidade virtual, que cria um ambiente totalmente novo e independente do mundo real, a realidade aumentada inclui elementos virtuais que interagem com os que já existem. Assim, é possível unir projetos arquitetônicos virtuais à realidade do canteiro de obras – aumentando a eficiência e precisão, reduzindo a ocorrência de erros e economizando tempo, dinheiro e recursos.

A ideia é que os aplicativos de realidade aumentada possam proporcionar uma visão mais exata daquilo que será construído e todas as camadas de materiais e instalações que, muitas vezes, são complexas de se entender através de desenhos. Para isso, plantas 3D e até hologramas de maquetes virtuais são utilizados para melhorar a compreensão do projeto e facilitar a execução de projetos.

Cortesia de Fologram

Blockchain

De forma sucinta, blockchain é um sistema que permite rastrear o envio e recebimento de alguns tipos de informação pela internet. Ele permite o funcionamento e transação das criptomoedas e tem revolucionado o comércio de itens digitais nos últimos tempos, tornando possível a comercialização de imagens, vídeos, músicas, postagens na rede social, memes, entre outros. Essa estratégia de comercialização da produção digital, que acaba atraindo investidores e colecionadores, tem invadido também o campo da arquitetura.

Por meio do NFT Non-fungible Token” (“Token não-fungível”, em tradução livre), que é um certificado de autenticidade baseado em blockchain atribuído à arquivos digitais para verificar sua origem e propriedade, surge um comércio de casas virtuais.

Diferentemente dos modelos virtuais que estamos acostumados a lidar, a arquitetura NFT vai além de ser apenas um instrumento de apresentação de projeto, mas atribui à criação uma qualidade de obra de arte, muito antes de ser de fato construída.

A primeira casa digital foi vendida há alguns meses pelo valor de 500 mil dólares. Projetada pela artista Krista Kim, a Mars House é composta por planos transparentes em tons magenta e azul, inserida em uma paisagem montanhosa com um eterno pôr-do-sol a abre precedentes históricos para uma possível vertente da arquitetura que é totalmente digital. Assim como o arquiteto e entusiasta da tecnologia NFT, Chris Precht, afirmou recentemente, essa tecnologia pode ainda significar a criação de oportunidades, especialmente para jovens arquitetos e pequenos escritórios que poderão futuramente vender as versões digitais de seus projetos e arrecadar dinheiro para os físicos.

Obra "Rejuvenation", 2021, Unique Non Fungible Token. Imagem © Karisman

Projetar é um processo árduo que envolve exaustivas tentativas no jogo de cintura entre as diferentes condicionantes, há um constante trabalho que envolve analisar o que foi produzido e refazê-lo aperfeiçoando o projeto. O design generativo surgiu justamente para facilitar esse processo. De maneira automatizada, o computador realiza em segundos inúmeras combinações e delineia um caminho evolutivo para criar uma forma. Ou seja, em vez da maneira tradicional de se conceber, no design generativo os critérios e as condicionantes do que se pretende são informados ao software por meio de algoritmos e ele busca as melhores opções para atender esses parâmetros. As combinações das variáveis podem ser custos, resistências dos materiais, eficiência energética, entre outras.

A Autodesk, por exemplo, está desenvolvendo uma etapa de Inteligência Artificial desse processo, o Machine Learning – ensinar a máquina a aprender a fazer, de forma a futuramente torná-la coautora, junto com o arquiteto, de projetos por meio de seu próprio aprendizado.

Big Data

O conceito de Big Data está atrelado a três fatores: volume de dados, velocidade e rapidez em que são gerados, armazenados e analisados e variedade de dados, características que se relacionam perfeitamente com a análise das cidades, por exemplo. Assim como o artigo citado acima apresenta, em relação ao urbanismo, a copilação e gestão de dados, junto ao desenvolvimento de novas plataformas e conjuntos de ferramentas para sua interpretação, deu início a uma nova era no que diz respeito à análise da forma urbana, habilitando novos recursos para compreender, avaliar, supervisionar e gestionar a morfologia e a evolução das cidades. O “cidadão inteligente” pode, portanto, auxiliar na gestão urbana, mapeando e discutindo questões, entendo-os inclusive como autores de soluções inovadoras e criativas para as cidades.

Dentro do projeto arquitetônico, a análise massiva de dados também pode estabelecer parâmetros interessantes mapeando, por exemplo, preferências e gostos dos clientes, alimentando um algoritmo que fornece ideais estéticos e padrões de comportamento. A IA poderia copilar exemplos e opções de projetos gerados a partir dos padrões mapeados. Esse é sistema ainda que não existe, mas parece perfeitamente possível.

Morpholio AR Sketchwalk: a mais nova ferramenta imersiva de realidade aumentada para arquitetos. Cortesia de Morpholio

Sistemas adaptativos complexos

Um sistema adaptativo complexo é um conjunto no qual muitos elementos ou agentes interagem, levando a resultados emergentes que são muitas vezes difíceis ou até impossíveis de se prever simplesmente olhando para as interações individuais. É um sistema de grande escala cujos comportamentos podem mudar, evoluir ou se adaptar.

Por ter surgido nas ciências naturais e físicas, os sistemas adaptativos complexos podem oferecer um embasamento teórico para se analisar o desenvolvimento e evolução das cidades, por exemplo. Ele reconhece a cidade como fenômeno emergente que pode ajudar a conservar as características inerentes ao sistema em vez de alcançar uma condição específica. Na análise da cidade, a aplicação do estudo dos sistemas adaptativos complexos, cruzados com uma base de dados, torna possível prever como um determinado elemento impactará sobre os outros ao seu redor, podendo ser aplicado em um volume arquitetônico, o lote ou uma cidade inteira.

Fonte: ArchDaily