O coronavírus e a transformação da arquitetura
Tanto o espaço urbano como os nossos lares vêm sendo profundamente reinventados durante a pandemia. Uma das tendências é a valorização ainda maior de ciclovias em grandes metrópoles, como Paris e São Paulo
A atual pandemia desencadeou uma verdadeira revolução na maneira como pensamos sobre arquitetura. Desde planejamentos que priorizam a utilização do espaço urbano de forma mais democrática até a reinvenção do espaço interior de nossos lares para acomodar períodos de quarentena indeterminados, o coronavírus estabeleceu uma nova dinâmica na arquitetura.
Cidades como Paris e Nova Iorque emergiram do lockdown com fortes planos de reestruturação de suas respectivas malhas cicloviárias. A realidade do distanciamento social, que faz com que as pessoas hesitem em utilizar o transporte público ou meios como o Uber, faz com que veículos individuais, como bicicletas, ganhem popularidade. Outras cidades, como Londres e Montreal, fecharam suas ruas por completo, assim garantindo sua segurança e acessibilidade para ciclistas e pedestres.
Outra possibilidade apontada por Tobias Armborst, arquiteto e fundador da Interboro, uma empresa que oferece aos seus clientes uma “arquitetura inventiva e inclusiva”, é a de, na volta às aulas, planejar classes ao ar livre, “um modelo que pode ser estendido à museus públicos e bibliotecas.”
Além disso, como levantado por Florian Idenburg, da empresa SO-IL, que projetou museus, conjuntos habitacionais e instalações como a Frieze Art Fair, arquitetos do espaço interior viram um boom em demandas por projetos novos. “Durante a quarentena, a SO-IL vem desenvolvendo planos de um projeto residencial no Brooklyn (Nova Iorque) com trinta unidades em um prédio de doze andares. Nós atualizamos a planta do apartamento para que ela reflita as ansiedades da pandemia: a cozinha, a sala de jantar e a sala de estar são todos separados ao invés de fluírem juntos; os quartos são espaçados, para uma acústica melhor, e incluem mais espaço para escrivaninhas; e os arquitetos estão visando trinta por cento de espaço exterior, como diversas opções ‘outdoor.’”
Como um todo, essas mudanças são reflexo de uma mudança radical da tradição modernista. De acordo com a revista americana The New Yorker, “nossos lares e escritórios foram concebidos como caixas brancas e vazias.” Esse era o sonho do movimento Bauhaus: “um espaço universalmente perfeito para todos, repetido ao redor do mundo, imposto de uma posição privilegiada sobre aqueles com um gosto supostamente pior.” Na pandemia, a “arquitetura hospitalar” do modernismo é muito menos interessante.
Vale ressaltar que o modernismo, como movimento artístico, foi profundamente influenciado pelas epidemias do começo do século XX. “Luz, ar e higiene não eram meramente preocupações estéticas dos modernistas: estes eram na realidade o melhor tratamento contra a tuberculose na época.” Como um dos grandes tratamentos contra essa doença era a exposição ao sol, ocorreu uma convergência entre a arquitetura dos sanatórios e a arquitetura residencial, que é refletida, por exemplo, na residência Pen Pits, do compositor inglês Sir Arthur Bliss. O desenho da casa é extremamente semelhante ao do sanatório para tuberculose em Paimio, na Finlândia, que pode ser visto como “um instrumento médico por si”, já que este possui “quartos otimizados até o menor detalhe para providenciar higiene e silêncio, e varandas amplas providenciam ar e luz do sol para os pacientes.”
Por contraste, no mundo pós-coronavírus, as pessoas necessitam de uma arquitetura mais modular, que seja mais enriquecedora do que a arquitetura “anônima” do modernismo. Esta nova arquitetura, com certeza, nos providenciará formas de refúgio do mundo externo, mas este será um refúgio texturizado, “repleto de lembretes que o restante do mundo ainda existe, que as coisas já foram normais, e talvez voltem a ser.”