Projeto de escolas: a arquitetura como ferramenta educacional
Dentro do conjunto de debates no campo da arquitetura, a relação entre o desenvolvimento projetual e a educação – especialmente infantil – tem ganhado destaque. A relação entre o campo da arquitetura junto à sociologia e filosofia, por exemplo, é notória. Muitas vezes, ao desenvolver um projeto, discussões entre estes campos são imbuídas projetualmente como instrumento potencializante das relações entre espaço e usuário. Quando pensamos especificamente na tipologia educacional dedicada a crianças, tomamos mecanismos que vão muito além de questões físicas de ergonomia, mas pensamos na arquitetura como ferramenta educacional.
No Brasil, somente no ano de 2018, quatro novas escolas com metodologias contemporâneas de educação e/ou internacionais foram ou serão inauguradas na cidade de São Paulo – Beacon School, Colégio Renascença, Escola Concept e Red House, como destacado em matéria de Helena Galante e Mariana Rosário em Março à Veja São Paulo [2].
Sendo assim, a tríade espaço-arquitetura-usuário é explorada em conjunto com outras áreas, uma vez que as crianças pertencem a um grupo com necessidades e situações psíquicas diferente dos adultos, e o processo de assimilação e transformação ocorre constantemente. Especificamente dentro do campo da sociologia, por exemplo, o processo conhecido como socialização primária – também nomeado como primeira infância, é responsável pela construção intelectual e assimilação de hábitos sociais no período de 0 a 6 anos de idade, atuando de modo a inserir no intelecto da criança as noções sociais, de moral e comportamentais na construção do senso de caráter da mesma. Nesse período de tempo, todo o desenvolvimento atuará de modo a construir o perfil desta quando adulta.
Pesquisas revelam ainda que um bebê nasce com aproximadamente 100 bilhões de neurônios, capazes de realizar um quadrilhão de ligações – valor cinco vezes maior que o cérebro adulto pode realizar [1]. Destes, cerca de 80 bilhões são perdidos, dado que desde a fase fetal, o bebê já começa desenvolver tais ligações, conhecidas como sinapses, onde, as células não desenvolvidas, morrem. Em outras palavras, a primeira infância é a principal fase no desenvolvimento neural em toda a vida, podendo trazer significativos valores psíquicos e físicos à vida adulta – ou não.
O que impressiona é que grande parte da sociedade julga que os principais investimentos educacionais devem ser realizados apenas na fase adulta. Contanto, a situação é justamente o contrário e devemos concentrar investimentos pedagógicos desde os primeiro dias de vida de um bebê.
Apoiado em pesquisas do quadro infantil, realizadas e desenvolvidas por órgãos e institutos de todo o mundo, muitos investimentos têm sido realizados nos últimos anos, tanto do poder público quanto no privado, em benefício da educação infantil. Especialmente em relação à arquitetura, projetos desenvolvidos conjuntamente a metodologias educacionais têm sido evidenciados.
No setor privado, investidores tem buscado desenvolver negócios de impacto social – visando o lucro, mas também, impactando no bem-estar da sociedade – que têm por objetivo educar crianças visando oferecer um conjunto de habilidades e ferramentas intelectuais.
No setor público, uma série de arquitetos pelos diferentes cantos do mundo também vem sendo contratados para desenvolver projetos escolares pertencentes ao Estado, destacando-se pelo desenho espacial das áreas educativas.
Contanto, provavelmente quando imaginamos uma escola ou sala de aula, imediatamente pensamos no tradicional modelo de carteiras enfileiradas ladeadas uma das outras, junto ao quadro-negro e a figura do professor na frente da sala recitando seu discurso, como ponto focal. Mas, você, já se perguntou por que a maioria das escolas de todo o mundo apresenta tal configuração? O modelo que nomeamos de “atual”, não é nada novo, e tem pelo menos 300 anos. Continuamos replicando tais espaços como no século XIX, onde a revolução Industrial impôs uma organização espacial semelhante à disposição fabril.
O tempo passou mas o modelo permaneceu o mesmo – e, de fato, não representa a melhor opção. As metodologias mudaram, mas apenas uma pequena parcela dos projetos arquitetônicos acompanhou a mudança.
Com a inserção de metodologias educacionais alternativas, como por exemplo, sala de aula invertida, educação holística, sistema construtivista, metodologia Waldorf, entre outras, o discurso sobre espaços educacionais foi ampliado.
O ponto comum dentre estes é o nascimento de um desenho pensado não apenas a partir das questões ergonômicas das crianças, mas colocando-as como coautoras do projeto, através da possibilidade de reconfiguração espacial, layouts mais abertos a possibilidades infinitas, elementos pensados com a finalidade de trabalhar o sistema físico, intelectual e psíquico.
Os projetos não agem apenas como ferramentas educacionais, mas principalmente como possibilidades de soluções emergentes no desenvolvimento social.
Outro ponto a ser levantado é quanto à vulnerabilidade social e educacional, onde dezenas de crianças residentes em localidades menos favorecidas acabam sendo prejudicadas por não terem acesso a escolas de qualidade. Sendo assim, temos observado uma movimentação em prol de tal garantia, como escolas flutuantes e utilizando técnicas vernacular, por exemplo. A escola flutuante de Makoko, projetada pelo NLÉ Architects é um exímio caso de como a ideia do arquiteto foi além – infelizmente, devido a uma catástrofe natural, o projeto desmoronou.
Ainda no continente africano, a Escola Primária em Gando, concebida por Francis Kéré, nasceu do desejo do arquiteto, que na infância deslocava-se cerca de 40 quilômetros até a aldeia mais próxima para ir à escola, que contava com má iluminação e ventilação. A partir da situação vivida, pela experiência de tentar aprender nessas situações, ao transferir-se para estudar na Europa, decidiu reinvestir o seu conhecimento para a construção de uma nova escola em sua aldeia natal.
Assim como já mencionado, os projetos escolares têm nascido junto a metodologia de cada escola em sua particularidade, buscando aguçar o senso crítico e potencialidades de cada aluno enquanto indivíduo.
No Brasil, por exemplo, a Wish School – escola bilíngue de educação holística, “que constrói sua pedagogia através de uma visão completa do indivíduo”, onde, “aspectos físicos, emocionais, sociais, culturais, corporais, criativos, intuitivos e espirituais são tão importantes quanto o intelecto racional”, permitiu que, junto a filosofia educacional, o espaço nascesse como ferramenta pedagógica [3].
A partir desse pressuposto, o processo projetual nasceu em conjunto com os usuários – alunos e professores – que atuaram como coautores num processo colaborativo, potencializando melhores soluções como reflexo da pedagogia adotada. No processo, quatro arquitetos sentaram-se separadamente junto a um grupo de crianças, professores, coordenadores e responsáveis pela manutenção, discutindo assuntos diversos acerca do espaço e ensino de maneira dinâmica, permitindo captar “questões práticas e funcionais a serem abordadas, mas também de expectativas sensoriais, algumas abstratas, outras literais; às vezes irrealizáveis; às vezes precisas e factíveis” .
Como resultado, dizem os arquitetos, nota-se “a planta como território composto por zonas de contração e expansão, em que existem fronteiras e bordas, mas elas são tênues, permitindo e incentivando a transgressão, catalisando a apropriação imaginativa, entendendo as crianças como sujeitos ativos. Os corredores, lugares em que a única função é o movimento contínuo do ir e vir, não existem. Todos ambientes são expansões da sala de aula formal e propícios para a assimilação de conhecimento. Consequentemente, para chegar de um ponto ao outro, é possível escolher diferentes percursos, diferentes interações, escolher o que encontrar e o que não” [5]. Junto, painéis e paredes-estantes, que ora conformam o espaço de sala de aula, ora transformam-se em circulação, permitem configurar o espaço de maneiras diversas.
Outro exemplo em destaque é o Jardim de infância Els Colors, em Barcelona, projetado pela equipe do RCR Arquitectes. A partir de um conjunto de volumes e a aplicação de diferentes cores, permitindo aguçar um conjunto de aspectos sensoriais, o projeto foi minuciosamente desenhado em prol da perspectiva das crianças.