Foton quer herdar rede da Ford Caminhões

Marca chinesa completa 10 anos persistentes no Brasil e vai retomar produção em Guaíba

“Persistente e errática”, concorda o economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, presidente do conselho da Foton no Brasil, ao definir a difícil trajetória de 10 anos da marca chinesa de caminhões que ele trouxe ao País, que entre pequenos avanços e muitos tropeços, começa mais uma vez a traçar seu futuro para deslanchar no mercado nacional. Desta vez, por obra do acaso, surgiu a oportunidade concreta para superar o maior problema da Foton por aqui, a falta de uma rede de distribuição consolidada. A maior aposta agora é herdar parte das concessionárias deixadas pela Ford, que em 2019 decidiu fechar fábrica de São Bernardo do Campo (SP) e sair do negócio de caminhões.

A Ford tinha 101 concessionárias de caminhões administradas por 53 grupos empresariais. Destes, a Foton já conseguiu atrair oito que acrescentaram 21 pontos de venda e assistência à sua rede, que já tinha 19. Com isso, o número de casas da marca chinesa foi dobrado para 40 no ano passado. Ricardo Mendonça de Barros, filho do fundador da empresa e diretor de vendas e rede, afirma que colocou foco total nesta oportunidade. Ele avalia que existem boas chances de fechar com mais 20 a 25 grupos este ano, todos ex-Ford, dobrando novamente a rede da Foton no País.

“Alguns grupos receberam indenização da Ford e até desistiram do negócio de caminhões. Outros esperavam por uma definição para ver se o Grupo Caoa iria assumir a operação, mas com a desistência aqueles que querem continuar têm boas chances de vir trabalhar com a Foton, porque temos produtos muito parecidos e eles têm a estrutura pronta”, afirma o diretor. “Somos flexíveis. A única exigência é ter um showroom só para a Foton, os concessionários podem ter oficinas multimarca e vender veículos de outras marcas. Já fui concessionário de outra montadora e sei que as negociações não são fáceis, empurram produtos e fazem você comprar de fornecedores deles. Pretendemos mudar isso e conversar mais com os distribuidores, até para decidir a linha de produtos. Inclusive, vamos fazer na mesma rede a distribuição de SUVs e picapes que pretendemos importar da Foton”, revela.

APOIO DA CHINA E CRESCIMENTO

No ano passado a Foton abriu uma subsidiária própria para apoiar os negócios no Brasil e financiar suas importações. Agora os veículos e peças são importados diretamente pela companhia chinesa, que após o desembaraço aduaneiro são entregues para distribuição e venda à empresa de Mendonça de Barros, que ficou descapitalizada com a intensa crise dos últimos anos e em 2019 precisou entrar em recuperação judicial.

“Antes tínhamos limitações financeiras para importar. Com o apoio direto da China, agora podemos importar todo o volume de veículos e partes que precisamos, sem restrições, enquanto nos recuperamos com o aumento das vendas”, explica Ricardo Mendonça de Barros.

A nova configuração do negócio já fez bastante diferença no ano passado. Mesmo com volumes ainda baixos, os 135 veículos vendidos (127 comerciais leves de 3,5 toneladas e oito caminhões leves) em 2019 representaram forte crescimento de 214% sobre as 43 unidades de 2018. “O resultado até superou um pouco a meta que tínhamos com a Foton”, diz Ricardo.

Este ano a expectativa é avançar mais 30%. “Mas é uma projeção conservadora, se as negociações com concessionários derem certo e o mercado retomar com mais força nossas vendas podem crescer até 50%”, aposta Ricardo. “Temos potencial para crescer muito no Nordeste, que já representou 70% das nossas vendas, mas hoje tem poucas concessionárias e ficou desassistido”, pontua.

MAIS PRODUTOS E MONTAGEM NO BRASIL

Existem planos de incrementar o portfólio de produtos da Foton no País, atualmente formado por dois comerciais leves de 3,5 toneladas (um com rodado traseiro simples e outro duplo) e um caminhão de 10 toneladas. A ideia é introduzir novos modelos de 2,5 toneladas e caminhões de 6 e 11 toneladas. A Foton tem linha completa de caminhões na China, mas aqui, por enquanto, o foco será em trazer os leves e médios, para reduzir riscos de prejuízos. “O mercado de pesados é de alto valor e já tem fabricantes muito bem posicionados aqui, fica difícil competir. Outras marcas chinesas tentaram e não conseguiram. Se tivéssemos feito o mesmo o tombo teria sido irrecuperável”, diz Ricardo.

Desde que se instalou no Brasil, há 10 anos, a Foton vendeu no total 1,6 mil veículos, dos quais 250 foram montados em linha alugada da Agrale em Caxias do Sul (RS) até o fim do ano passado. A operação de montagem nacional será retomada na semana que vem, mas desta vez em instalações da Gefco, que se instalou na também gaúcha Guaíba para atender a GM de Gravataí e fechou contrato também com a Foton, para executar serviços de montagem e adaptações dos caminhões importados.

A Gefco se instalou em Guaíba em uma área de 500 mil metros quadrados dentro do mesmo terreno de 4 milhões de m2 que, nos fim dos anos 1990, foi destinado para a Ford fazer uma fábrica – que após desentendimento com o governo gaúcho acabou sendo construída em Camaçari (BA). Em 2013, uma fatia de 1,5 milhão de m2 foi destinada pelo Estado para a Foton fazer sua planta industrial no País, mas as obras foram paralisadas ainda nas fundações, em 2014, com o aprofundamento da crise econômica e a queda abrupta do mercado nacional de caminhões.

Só em 2016 foi tomada a decisão de montar os caminhões Foton na Agrale, para cumprir o compromisso de produção nacional do Inovar-Auto. “Não ficamos devendo nada no Inovar-Auto, passamos sem problemas na auditoria do (antigo) MDIC”, destaca Ricardo. Agora a empresa volta para o local onde orginalmente deveria ter feito sua fábrica, mas com a Gefco.

“Durante todo esse tempo lutamos pela sobrevivência da empresa, persistimos porque vimos na Foton um parceiro que valia a pena, que ia crescer muito, como de fato aconteceu”, disse Luiz Carlos Mendonça de Barros.

HISTÓRIA ERRÁTICA E PERSISTENTE

O economista teve seu primeiro contato com a China em 1996, quando era presidente do BNDES e viajou ao país para assinar um empréstimo para financiar a importação de turbinas do Brasil para a usina hidrelétrica de Três Gargantas. “Na época os chineses não tinham nem dinheiro nem tecnologia para isso, daí se vê como foi rápida a evolução”, lembra. Nesta mesma viagem, Mendonça de Barros manteve contato com várias autoridades do governo e foi incluído em um livro de “amigos da China no exterior”.

Em 2009, a Foton enviou uma delegação ao Brasil e chegando aqui procuraram “o brasileiro amigo dos chineses”, e propuseram a ele representar a marca no País. Foi quando Mendonça de Barros ofereceu sociedade no negócio ao filho Ricardo, que gostou da ideia. Após uma viagem à China, no começo de 2010, os dois voltaram de lá com a representação da empresa para o mercado brasileiro.

Antes mesmo do navio trazendo o primeiro lote de caminhões Foton chegar ao Brasil foi lançado o Inovar-Auto, programa que para forçar a nacionalização da indústria previa a sobretaxação de 30 pontos porcentuais de IPI sobre veículos importados.

“Nos habilitamos no Inovar-Auto com o compromisso de produzir aqui para poder importar sem a sobretaxa. O governo do Rio Grande do Sul nos deu as mesmas condições que tinham sido oferecidas à Ford para instalar a fábrica em Guaíba. Aceitamos a proposta, mas aí veio a crise, o mercado de caminhões foi derrubado de 180 mil unidades para 40 mil. Então tivemos de parar tudo para lutar pela sobrevivência da empresa”, conta Mendonça de Barros, que agora fica na presidência do conselho e passou todas as decisões executivas para os diretores, incluindo seu filho. Cabe agora a Ricardo a nova investida para construir o mercado da Foton no Brasil.

Fonte: automotivebusiness