Autoconstrução e mercado imobiliário impulsionam venda de cimento em junho
Depois de quatro anos de profunda depressão no consumo de cimento no país, e um 2019 morno, a indústria cimenteira já se preparava para mais um ano de crise, e desempenho no vermelho, com a chegada da pandemia da covid-19. Surpreendentemente, em maio, as vendas do insumo reagiram bem. O que trouxe grande alívio ao setor foi, em grande parte, foi a autoconstrução – compra de material para reformas e ampliações de residências.
O fenômeno, como foi chamado, reviveu algo comum nos anos 80 e que durou até fim dos 90. Uma fatia expressiva do orçamento familiar, na faixa de 4,5%, era usada em gastos com reforma do lar. Baixou para menos de 1%.
Assim, as vendas de cimento em junho tiveram aumento de 24,2% ante o volume do mesmo mês de 2019. Foram comercializadas 5,2 milhões de toneladas, segundo os números divulgados ontem pelo Sindicato Nacional da Indústria do Cimento (SNIC).
“A covid-19 provocou uma série de mudanças nas nossas vidas, nos nossos hábitos e nas nossas prioridades. Para a indústria do cimento, a crise mostrou que o cuidado com a casa e o uso de reservas pessoais e investimentos para pequenas reformas, tão populares na década de 80, voltaram a fazer parte do orçamento familiar”, disse ao Valor o presidente do SNIC, Paulo Camillo Penna.
Com a pandemia, afirma, as pessoas deixaram de viajar, de ter gastos com lazer, roupas, restaurantes e outros, além de terem caído a remuneração das aplicações de investimentos. Isso levou muita gente a reformar seus lares e até a comprar novos imóveis.
Além da autoconstrução – residencial e comercial -, houve a retomada das obras dos empreendimentos imobiliários. Segundo o SNIC, nas pesquisas feitas no setor da construção, há registros de aumento de trabalhadores nos canteiros de obras. Um terceiro fator que ajudou foi a queda nas taxas de juros e da inflação.
“As reformas de imóveis seguem em ritmo chinês há mais de dois meses”, diz o executivo, citando que isso é demonstrado por indicadores de vendas de lojas de materiais de construção. Há nove semanas, informou, as vendas de materiais seguem em alta. Na última, de junho, subiu 28%.
Isso é fruto do aumento do tempo de permanência das pessoas nos lares, diz Penna. Elas viram necessidade de se fazer pequenas melhorias nas casas. “A residência deixou de ser apenas um lar para se transformar também num local de trabalho e lazer”.
Autoconstrução e obras imobiliárias respondem atualmente por cerca de 80% do consumo de cimento no país. Juntas, impulsionaram as vendas no mercado interno, principalmente a partir de maio. Construção industrial e obras de infraestrutura – está última com modestos 8%) ficaram com os 20%. Além de residências, ocorreram também muitas reformas e manutenções em estabelecimentos comerciais, executadas durante a paralisação forçada.
O semestre fechou com venda de 26,9 milhões de toneladas, o que resultou em alta de 3,6% sobre mesmo período de 2019. As vendas por dia útil em junho tiveram aumento de 7,7% sobre maio, com 228 mil toneladas, e de 16,1% na comparação com junho de 2019.
Todas as regiões do país mostraram desempenho positivo. O destaque foi o Nordeste, com alta de 44,8%. A seguir vieram o Norte (28,4%) e Centro-Oeste (28,1%). O Sudeste registrou 19,3% e o Sul 12,8%. No acumulado do ano, o consumo no Nordeste também sobressai e a região Norte é a única a apresentar índice negativo.
O ano, explica Penna, começou afetado pela chuvarada de janeiro e fevereiro, que deixou muita venda represada para março. A partir da terceira semana de março, com a pandemia, atividades no país foram paralisando, por medidas de isolamento e restrições. “Para abril, esperávamos retração de vendas de 15%; felizmente ficou em 7%”, afirmou.
“Apesar de abril ter vindo melhor que esperávamos, para o setor o ano começou de fato em maio, que mostrou alta de 2,8% ante as vendas de um ano atrás”, destacou Penna. E junho surgiu como a grande surpresa.
Após quatro anos recessão (2015-2018), com retração de 27% nas vendas, o setor teve um respiro em 2019, conseguindo registrar 3,3% crescimento. A projeção do SNIC para este ano era de 3%.
Apesar do desempenho surpreendente em junho, há preocupações sobre a manutenção do ritmo no segundo semestre, em especial no nível de lançamentos imobiliários. O que mais preocupa é o último trimestre, podendo gerar um cenário negativo para as cimenteiras construção civil.
Até lá, com as medidas de auxílio emergencial e de ajuda às empresas, a aposta é que julho venha no mesmo ritmo de junho e que agosto e setembro mostrem também bom desempenho.
O setor ainda convive com 44% de ociosidade da capacidade de produção e 22 fábricas fechadas.