Incertezas e visão de curto prazo do governo justificam atrasos em obras públicas, aponta BCG
Segundo levantamento da consultoria, projetos de infraestrutura social apresentam média de atraso de 31%
Frequentemente, o prazo final e os custos de uma construção ou reforma são apenas estimativas esperançosas. Imprevistos, falhas de planejamento, práticas ruins de governança e uma longa lista de obstáculos podem provocar atraso ou aumentar muito o custo de obras.
Um estudo realizado pela Boston Consulting Group (BCG) mostra que essa máxima é constante em projetos desenvolvidos pelo poder público.
O relatório desenvolvido pela companhia com base na avaliação de 379 grandes empreendimentos em 14 países, incluindo o Brasil, indica que projetos de infraestrutura social apresentam uma média de atraso de 31% e um sobrecusto de 41%. Ou seja, ao redor do mundo, a construção de pelo menos 3 a cada 10 hospitais, prisões, escolas ou outros edifícios públicos estouraram o prazo.
Em paralelo, projetos de transporte enfrentam, em média, um atraso de 35% e um sobrecusto de 59%. “Isso significa que, se você começar um projeto de infraestrutura, é esperado que haja sobrecusto”, analisa Thiago Cardoso, diretor e sócio do BCG. “Esses custos, de uma forma ou de outra, acabam prejudicando a população. Por isso, é importante que os governos façam uma avaliação melhor dos cenários antes de iniciar um projeto”.
Problema mundial
A consultoria elaborou o estudo “Benchmarking de Grandes Projetos de Infraestrutura Internacionais” para examinar o cumprimento de custos e cronogramas, refletindo a experiência de governos e empresas privadas globalmente na execução dessas obras em larga escala. Segundo Cardoso, uma das conclusões é que o cenário é semelhante entre os vários países analisados.
O relatório avaliou projetos de transporte rodoviário e ferroviário que custaram mais de 500 milhões de dólares, além de infraestrutura que custaram mais de 250 milhões de dólares no Canadá (42 projetos), França (11), Alemanha (13), Grécia (2), Irlanda (5), Itália (13), Brasil (6), Japão (2), Nova Zelândia (2), Singapura (5), Coreia do Sul (3), Espanha (11), Reino Unido (53) e EUA (211).
“A partir da mostra de 14 países, observamos que não existem diferenças significativas de um lugar para outro em relação à proporção de atrasos e sobrecustos. As assimetrias mais marcantes são notadas na complexidade dos projetos desenvolvidos”, aponta o executivo.
Esta percepção é comprovada pelas obras que envolvem a construção de túneis. O estudo mostra que projetos de transporte que englobam a construção de um instrumento complexo como os túneis apresentaram maiores atrasos e sobrecustos que a média.
O mesmo vale para projetos com valores acima de 5 bilhões de dólares, que em 77% dos casos tiveram um custo além do previsto inicialmente.
De acordo com o relatório da BCG, existem seis justificativas principais para os atrasos e gastos excedentes:
- Dificuldade de desenvolver estimativas precisas de custos nos estágios iniciais dos projetos, especialmente para programas muito grandes e complexos;
- Gestão de mudanças, que naturalmente ocorrem ao longo do projeto, o que, além de constituírem fator de risco, geram pleitos que afetam contingências;
- Sistemas de governança e gestão da execução insuficientes, não adaptadas à complexidade dos projetos;
- Incertezas e ajustes do projeto e escopo (especialmente em estágios finais);
- Custos decorrentes de atrasos – em particular gastos adicionais necessários para a recuperar o cronograma;
- Visão de curto prazo de alguns Governos, ao invés de ‘visão de Estado’, gerando otimismo de premissas, além de paralização de obras.
Papel da tecnologia
Na visão de Cardoso, o avanço da tecnologia na construção civil, simbolizada por iniciativas como a construção modularizada, robôs inteligentes e plataformas inovadoras de gestão não serão o suficiente para mudar o cenário. “A tecnologia pode ajudar bastante, mas ela não vai resolver nada se outras questões básicas não tiverem sido resolvidas antes”, alerta.
“O setor de construção vem sendo marcado pela baixa produtividade e a figura atual não é boa, mas governos e empresas têm o que fazer para superar estes obstáculos”, contemporiza Cardoso. “É necessário investir melhor em planejamento, detalhar etapas dos projetos, realizar análises de risco e aperfeiçoar modelos de contração para ajudar a destravar investimentos”, enumera.
As sugestões indicada pelo relatório da BCG para os projetos de infraestrutura pública são estes:
- Investimento inicial na gestão de riscos do projeto por meio de estudos de engenharia e impacto socioambiental realizados antecipadamente ou com o envolvimento antecipado do empreiteiro;
- Escolha do modelo de contratação mais alinhado com as prioridades e os riscos específicos de cada projeto, bem como com as ambições e capacitações do contratante;
- Legitimidade e apoio claros dos poderes concedentes, do regulador e da comunidade;
- Adoção de novas tecnologias, ferramentas e inovações, com foco na melhoria da produtividade e eficiência em todo o projeto;
- Maturidade da regulação, bem como experiência dos agentes públicos e privados em projetos e programas similares;
- Projeções de custo e cronograma realistas, que levem em conta o grau de incerteza dos projetos.