O novo perfil do mercado imobiliário
Tecnologia, expectativa de vida e hábitos sociais moldam o novo perfil de consumidor, viabilizando projetos diferenciados e práticas inovadoras na venda de imóveis
Com o passar dos anos, mudanças de fundo vêm sendo observadas em diferentes níveis nos grandes centros urbanos, em um processo estimulado principalmente pela aceleração tecnológica, motivadora de novos estilos de vida e de inéditas necessidades de consumo, principalmente entre as gerações mais jovens.
Dentre as transformações está, por exemplo, o surgimento de um novo perfil de comprador no setor imobiliário, espelhando as mudanças ocorridas na própria sociedade. “Atualmente, as moradias buscam atender a novos perfis de consumidores, que são cada vez mais variados”, posiciona Verena Balas, diretora de incorporação da RZK. “O mercado está muito mais diversificado que antes, de modo que temos que pensar nesses novos perfis.”
Para Rodolfo Dell Vale, gerente de marketing e inteligência de mercado da Nortis, ao longo dos últimos anos foi possível observar não só uma redução significativa no tamanho dos apartamentos, fato ligado ao número crescente de solteiros e divorciados na sociedade atual, mas também um aumento de animais domésticos como protagonistas nas novas famílias. “A consequência disso foi uma mudança na configuração das plantas e nas áreas comuns dos empreendimentos”, esclarece.
PERTENCIMENTO
Outro nicho disruptivo pode ser detectado no aumento da clientela mais jovem, levando ao surgimento de produtos específicos para essa faixa, assim como a locação, que também vem impulsionando o mercado. De acordo com Renato Rodrigues, executivo da MaisM2 – startup que atua com carteiras de real estate via fundos imobiliários, bancos e investidores privados –, os imóveis funcionais e de aluguel estão entre os pontos a serem considerados em qualquer análise de mercado.
Os primeiros porque são muito procurados, inclusive por empresas que preferem adquirir imóveis ao invés de manter seus executivos em hotéis. Já os segundos, pela questão de que uma parcela crescente da população vem desistindo da casa própria, tão presente em gerações anteriores, preferindo alugar um imóvel e investir o valor destinado a uma eventual compra. “Isso, é claro, requer estudos da área e da viabilidade do imóvel”, diz Rodrigues. “Mas o mercado está aberto a todos os tipos de investimentos.”
Nesse sentido, outro segmento que passa por uma transformação são os produtos mais econômicos, compostos por moradias populares que, de acordo com Verena Balas, atualmente representam cerca de 70% do mercado imobiliário nacional. “Quando surgiram, eram produtos situados em regiões afastadas, em terrenos precários, sem infraestrutura ou acesso adequado, além de constituírem uma atividade de construtor”, descreve a executiva da RZK, especializada nesse tipo de mercado. “Hoje, ao contrário, é um negócio de incorporador, que se preocupa com a infraestrutura e a qualidade de vida dos moradores.”
Desse modo, já não basta estar atento somente ao empreendimento em si, mas é preciso ir além com uma visão urbanística mais integrada. “São empreendimentos planejados com um olhar de pertencimento, de fazer parte de uma região e, até mesmo, de ajudar a desenvolvê-la por meio de parcerias público-privadas”, ela ressalta.
Outro indutor de mercado que já começa a ter relevância, como destaca Dell Vale, é o envelhecimento da população. “Cada vez mais os apartamentos e as áreas comuns dos condomínios terão de considerar esse fator”, acresce. Além disso, segundo o diretor da Benx, Luciano Amaral, projetos com áreas menores, empreendimentos sem vaga de garagem, locais para carregamento de carros elétricos, espaços de convivência mais completos, áreas de co-working e de uso misto, dentre outras, estão entre as tendências mais fortes na atualidade. “Com mais acesso a aplicativos de transporte urbano, as pessoas estão deixando de comprar carro, por exemplo, o que tem influência direta nos lançamentos do mercado imobiliário”, complementa.
NOVO CENÁRIO
De acordo com Odair Senra, presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (SindusCon/SP), o setor imobiliário tem uma ligação profunda com o PIB, ou seja, quando o desempenho econômico vai bem, a construção imobiliária também obtém bons resultados. “Atualmente, estamos em uma rampa ascendente de acesso, após um longo período de precipício”, diz Senra. “Assim, vivemos um período positivo, especialmente na capital paulista, até mesmo pela demanda reprimida, pois o crescimento vegetativo continua, as pessoas se separam, casam, estudam e trabalham.”
Outro fator que contribui para nortear a tendência do mercado imobiliário é a legislação municipal urbana, diz Senra. Em São Paulo, por exemplo, o último Plano Diretor Estratégico (PDE) – principal articulador de uma série de instrumentos que organizam o planejamento urbano do município – trouxe um consenso no sentido de posicionar as grandes concentrações habitacionais preferencialmente onde exista transporte público, aproximando moradia e trabalho.
Para o presidente do SindusCon/SP, o plano atual – que foi aprovado em 2014 – tem outros aspectos positivos, prevendo a revitalização de algumas regiões e melhorias na mobilidade, por exemplo. Por outro lado, criou regras que reduziram a construção de apartamentos maiores e fora do eixo definido pelo mecanismo legal. “Mesmo não sendo uma tendência, ainda existe um público que busca esse tipo de apartamento com mais de 120 m², ou seja, vai faltar esse produto”, diz ele. Já os apartamentos menores – também conhecidos como estúdios – registraram aumento nas vendas neste ano, em comparação a 2018. “No entanto, é preciso lembrar que antes eram vendidos mil apartamentos de 120 m² e, agora, passaram a ser comercializados três mil unidades de 50 m²”, compara Senra.
Todas essas mudanças trazem um novo cenário para o setor, acredita Senra, no qual o interesse por esses produtos está relacionado a uma nova maneira de viver. “Isso vale especialmente para quem está começando a vida profissional e não tem pressa de comprar um apartamento”, diz. “Além de ser um ótimo investimento patrimonial para quem quer obter renda de locação.”
MOEDA FORTE
Aliás, com recente a redução da Taxa Selic para 5% a.a., o setor de imóveis voltou a ser uma alternativa interessante de investimento, especialmente com foco em locação. Para os especialistas, a baixa dos juros pôs o mercado imobiliário novamente em evidência como uma das melhores aplicações financeiras deste ano. “Tijolo sempre foi moeda forte”, afirma Senra.
Com isso, acresce Rodrigues, tende a ocorrer uma curva positiva no mercado, com foco em imóveis comerciais para locação. “Há uma fatia da população propensa a trocar o sonho da casa própria por investimentos”, afirma o executivo da MaisM2. “Ainda não é a maioria, mas já impulsiona uma mudança visível no mercado.”
Nessa linha, os Fundos de Investimentos Imobiliários (FII) ressurgem como uma boa opção e, por isso, seguem em plena expansão. Segundo Senra, aplicar em fundos imobiliários era algo desconhecido no passado, mas hoje é uma alternativa vantajosa. “Os Fundos Imobiliários são negociados na bolsa visando a captar recursos de investidores para o setor imobiliário”, explica. “Com o valor arrecadado, o gestor do fundo compra um portfólio de imóveis e passa a administrá-lo.”
Dessa forma, o investidor torna-se dono de uma parte desse portfólio, de acordo com a quantidade de cotas adquiridas, ganhando dinheiro por meio do recebimento do valor dos aluguéis pagos pelos locatários, assim como pela variação do valor das cotas. “Ou seja, quem compra a cota de um fundo recebe o retorno via aluguéis, sendo isento de Imposto de Renda, pois apenas a venda das cotas tem tributação”, completa Senra.
Além de redução das taxas, as condições de financiamento oferecidas pelos bancos também vêm melhorando, beneficiando assim o mercado imobiliário ao estimular o consumidor final. Em agosto, a Caixa Econômica Federal lançou uma linha de crédito imobiliário corrigida pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), com o objetivo justamente de reduzir os juros para a compra de imóveis.
Com a mudança, a taxa mínima para os imóveis residenciais que se encaixam no Sistema Financeiro da Habitação e no Sistema Financeiro Imobiliário é composta pelo IPCA somado a uma taxa de 2,95% ao ano, enquanto a taxa máxima passa a ser do IPCA mais 4,95% ao ano, atingindo um total máximo de 7,9%, percentual menor do que era praticado até então. Essas taxas valem para os novos contratos e entraram em vigor no dia 26 de agosto. Antes, os financiamentos eram feitos por uma taxa fixada pela instituição, que variava entre 8,5% e 9,7% ao ano, mais a TR (Taxa Referencial) estabelecida pelo Banco Central, que atualmente está zerada.
FINANCIAMENTOS
Segundo dados da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), os financiamentos imobiliários com recursos das cadernetas do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) atingiram R$ 6,7 bilhões em agosto – o melhor resultado do ano, superando levemente o registrado em julho (+0,1%). Em relação a agosto do ano passado, a alta foi de 18,4%.
Em agosto, foram financiados 26,4 mil imóveis nas modalidades de aquisição e construção, índice 6% acima de julho e 17,3% acima do registrado em agosto do ano passado. De acordo com a Abecip, foi o melhor resultado mensal do ano. No período de 12 meses encerrado em agosto, foram financiadas a aquisição e a construção de 267,5 mil unidades, 34% a mais do que nos 12 meses anteriores, quando 199,6 mil unidades foram objeto de financiamento bancário.
Comercialização passa por mudança profunda, diz especialista
Frente ao cenário de transformação na demanda e, consequentemente, de concorrência, as imobiliárias tradicionais precisam se reinventar para atingir o novo nicho que desponta no mercado. “Com a tecnologia de aplicativos, a comercialização de imóveis também vem passando por uma mudança profunda”, diz Odair Senra, presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (SindusCon/SP). “A forma como se vendia imóveis está saturada e aqueles lançamentos enormes, com maquetes e muitas pessoas no estande, já não serão mais necessários”, avalia.
De fato, segundo o Radar Construtech Ventures de Startups de Construção e Mercado Imobiliário, atualmente já há 562 empresas de base tecnológica atuando nessa área no Brasil. São startups como a QuintoAndar, que estão ganhando destaque ao utilizar a tecnologia para simplificar a locação de imóveis residenciais. “Por meio do aplicativo, os inquilinos podem conferir dados do imóvel, como valor do aluguel e condomínio, para depois escolher as unidades de interesse e agendar pela internet a visita, que é acompanhada por corretores especializados”, explica Senra. “Dessa forma, o locatário não precisa de seguro-fiança, depósito caução nem fiador para alugar o imóvel, reduzindo a burocracia e o tempo entre a proposta e a assinatura do contrato.”