Transformação da indústria 4.0 desafia empresas a investir no desenvolvimento de talentos

Maior adoção de tecnologia em linhas de produção não significa demissões, em exige maior especialização, dizem empresários

O mundo passa por uma transição para a chamada indústria 4.0. Isso significa que as estratégias privilegiam a aplicação de novas tecnologias habilitadoras digitais. A meta é aumentar a eficiência e reduzir custos com a flexibilização das linhas de produção.

Diante do contexto, é comum ouvir falar em ondas de demissões. No entanto, executivos e industriais afirmam exatamente o oposto, ainda que apontem que a adaptação trará para o chão de fábrica o mesmo dilema enfrentado pelo setor de TI: investir em tecnologias, sem garantia de profissionais para operá-las.

De acordo com a Confederação Nacional da Indústria (CNI), sete em cada 10 grandes indústrias já investem em tecnologia 4.0 no país. Todas relatam — ao contrário do que diz o senso comum — que a implantação dos modelos demandou por mais contratações. Outra vez, é a ausência de formação que coloca em risco o não preenchimento das vagas disponíveis.

No Rio Grande de Sul, por exemplo, a indústria geral empregava mais de 1 milhão de trabalhadores em 2012. Hoje, são 768 mil funções ocupadas. O irônico é que, em todo o país, metade das empresas declararam ter problemas com a falta de mão de obra, segundo a CNI. Entre elas, 96% reportaram dificuldade para contratar operadores e 90% tiveram problemas para encontrar técnicos de nível médio. A mesma base aponta que 97% afirmam que isso afeta a produtividade e a qualidade do produto.

Uma centenária em busca de diversidade

Mesmo com o agravamento dos quadros, não é de hoje que as indústrias investem na própria qualificação. A diferença é que o momento pede por novos olhares. Na Gerdau, a diretora global de Pessoas e Responsabilidade Social, Caroline Carpenedo, explica que a resolução do problema está além das empresas, mas diz que elas têm papel fundamental na preparação de colaboradores e na inserção de projetos capazes de formar comunidades mais cidadãs:

— Em tecnologia não há outro caminho. É preciso desenvolver colaboradores. Caso contrário, fomenta-se uma competitividade em um ambiente de mercado superaquecido que só favorece a alta rotatividade já existente.

Ela identifica carência semelhante em funções de engenharia e outras áreas pontuais. A saída, avalia, é antecipar estratégias e soluções. Por isso, há uma série de programas como o G-Start (estágios), G-Future (treinees), G-Lide (posições de liderança), G-Makers (inovação) e G-Data (cientistas de dados). Todos acontecem de maneira permanente.

Ainda assim, a partir de 2017, a centenária companhia gaúcha abriu o leque para trazer mais diversidade ao ambiente organizacional. Criou programas específicos para equilibrar raça e gênero. Um deles foi pensado para elevar a posição de mulheres em cargos de liderança.

Batizado de projeto Helda, a ação ampliou de 17% para 23% a participação feminina nos postos de chefia. A meta é chegar a 30% em 2025. O parâmetro é um dos itens que formam o plano de remuneração variável de todos os colaboradores, tamanha relevância dada para o tema.

Mãe do Miguel, de dois anos, Paloma Pasqualina Colombo é a nova gerente jurídica trabalhista da empresa. O cargo, assumido em setembro deste ano, chegou após a promoção para coordenadora em junho. Ela é uma das 27 integrantes da primeira turma do Helda e já passou por duas ascensões profissionais.

Antes mesmo do programa, Paloma testemunhou o protagonismo feminino dispensado pela empresa. É que há quatro anos, quando decidiu passar pelo processo de seleção, depois de uma década em outra ocupação, relatou na entrevista que gostaria de ser mãe. A resposta recebida foi: “aqui nós adoramos crianças”.

— Daquele momento em diante eu soube que estava entrando na empresa certa e o Helda só confirma isso quando dá todas as possibilidades de empoderamento para as mulheres — diz.

Recentemente, também foram criados e ampliados programas para contratação de pessoas com deficiência e para o público LGBT+. Além disso, em outubro, a Gerdau lançou projeto de longevidade para trabalhadores acima dos 50 anos.

— Muitas vezes, achamos que alguém com mais idade não tem facilidade com tecnologia e o que acontece é o oposto. É, sim, papel das empresas saber como incluir. A sociedade está envelhecendo e existem muitos vieses inconscientes sobre a contratação de pessoas com mais idade. Também é um tema forte que iniciamos a trabalhar agora para trazer mais diversidade — relata Caroline.

Formação e vagas para a comunidade

MATHEUS PINHO / CMPC / DIVULGAÇÃO / CMPC

Com investimento de R$ 5 bilhões e geração de 10 mil postos de trabalhos, a obra de expansão da CMPC (Guaíba 2), em 2013, foi considerada o maior investimento privado do Rio Grande do Sul na ocasião. Em agosto de 2021, a indústria chilena de celulose anunciou novo investimento, de R$ 2,75 bilhões, em ações de sustentabilidade, com mais 7,5 mil novos postos de trabalho — 50% deles no Estado.

Oito anos atrás, Simone Nunes Vieira era uma das recém-contratadas. Naquele momento, o relatório de mão de obra indicava mais de 4 mil trabalhadores no canteiro de obras. Cerca de 70%, ou 2,8 mil, eram gaúchos e 780 naturais de Guaíba, onde fica a planta industrial.

Simone exercia a função de auxiliar de pedreiro em uma das empresas terceirizadas. Fez cursos, passou a pedreira e, em seguida, foi contratada pela própria CMPC como soldadora. Agora, exerce funções mais ligadas a contabilidade setorial, planos de manutenção e rotas de inspeção, de olho na próxima promoção.

— Foi difícil, mas nunca deixei de estudar. Ainda hoje, trabalho e depois estudo, porque faço um outro curso técnico de eletroeletrônica. Para mim, foi maravilhoso — resume.

Simone, que planeja alcançar um cargo na área de programação de manutenção, conta que a oportunidade recebida proporcionou algumas conquistas pessoais. Entre 2014 e 2021, ela e o marido compraram a casa onde moram, carro, moto e, hoje, comemoram que o filho mais velho, dos três que têm, esteja formado e trabalhando aos 17 anos.

Mauricio Harger, diretor-geral da CMPC, comenta que para o novo investimento, a receita é a mesma: identificar pessoas que buscam emprego e têm alguma qualificação para criar uma base de dados. Além disso, ofertar formação para mais de 900 profissionais nas atividades iniciais, relacionadas à mecânica e à construção civil, com prioridade para Guaíba.

No dia a dia da gigante do setor de celulose, tecnologia e automação industrial também trazem desafios. No que se refere à indústria 4.0, para se ter uma ideia, a empresa mapeou 1,3 mil cursos de softwares necessários para fazer a transição dos profissionais para a nova realidade da fábrica.

— As empresas têm um papel importante, pois o governo sozinho não dará conta de fazer isso. Trata-se de uma combinação entre criar oportunidades e dar protagonismo ao profissional. Essa é a nossa forma de contornar as lacunas — diz Harger.

Fonte: GauchaZH