Pandemia inflaciona custo da construção civil em MG
Na contramão do custo de vida medido pelo IPCA, metro quadrado de obras fica mais caro no estado. Preço do tijolo sobe até 80%
Boom na construção civil, aumento de preços nos materiais usados muito acima do índice inflacionário. Esse é o panorama vivido pelo setor, decorrente do incremento de reformas e ampliações, principalmente residenciais, durante o período da pandemia do novo coronavírus constatado por reportagem do Estado de Minas na semana passada.
Enquanto a inflação do início da pandemia – março – até julho foi próxima de zero, integrantes do setor afirmam que houve um aumento geral de todos os itens utilizados na construção civil, que varia de 10% a 20%. O “campeão” da elevação de preços é o tijolo, que nos últimos dias ficou até 80% mais caro e desapareceu dos depósitos em algumas regiões, como o Norte de Minas. O Sindicato da Indústria da Construçao Civil de Minas Gerais (Sinduscon-MG) informa que, de março a julho, o Custo Unitário Básico (CUB) por metro quadrado da construção, calculado pela entidade, subiu 1,02%. Essa alta é justificada, em sua maior parcela, pelo incremento no custo com materiais de construção, que, no mesmo período, registrou elevação de 3,32%. Por outro lado, ressalta a entidade, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), indicador geral da inflação no país, medido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatítica (IBGE) nesse mesmo período, ficou praticamente estável (-0,002%).
A assessora econômica do Sinduscon-MG, Ieda Vasconcelos, explica que o custo dos materiais é apenas um dos componentes do CUB na construção civil, que compreende ainda a mão de obra, despesas administrativas e gastos com aluguel de equipamentos. A economista salienta que, no cálculo do CUB, o ítem “material” é composto por 26 “famílias”, nas quais estão distribuídos mais de produtos. “Devemos lembrar que o cálculo é feito não somente com materiais básicos como areia, cimento e brita, mas todos os produtos usados ao longo de toda construção, até o acabamento”, diz Ieda Vasconcelos.
“Em relação ao peso dos insumos dentro do indicado, é preciso destacar que ele varia de acordo com a característica de cada empreendimento”, observa a economista. Assim, considerando, por exemplo, uma residência multifamiliar, o peso do cimento no custo com material de construção é de cerca de 4%. “Já o peso do bloco cerâmico (tijolo) para alvenaria de vedação, também dentro do custo com material de construção, é de 10%”, completa a especialista. Na prática, o tijolo corresponde a 10% do custo da parte de alvenaria, que por sua vez, representa 10% do custo total de obra multifamiliar.
Contratos
Conforme o presidente do Sinduscon, Geraldo Linhares, desde o inídio da pandemie até agora, os insumos da construção civil que mais subiram de preço foram o aço, cimento, cabos elétricos, PV e tijolo. “O aumento dos preços dos materiais pressiona o custo da obra em relação à venda, prejudicando a lucratividade prevista pelas empresas. Mas, pior que a alta de preço é o desabastecimento e a demora na entrega dos produtos”, afirma Linhares.
O dirigente do Sinduscon destaca que o aumento de preços dos materiais trouxe dificuldade para os construtores que fazem vendas antecipadas de imóveis com os preços pré-fixados, por por meio de financiamentoss. “Os contratos de venda de apartamentos firmados entre as construtoras e os compradores, especificamente os produtos econômicos (Minha casa Minha vida) e standard financiados por agentes financeiros, são fixos e irreajustáveis. Portanto, não cabem alinhamentos de preço”, comenta Linhares. Ele afirma que outro segmento “que está sendo bem impactado com esses preços abusivos” é o setor de obras industriais e corporativas, que tem contratos firmados com grandes empresas do setor de mineração e também trabalham com o preço fixo e irreajustável pelo período de um ano.
Dono de uma grande revenda de produtos para construção civil em Montes Claros, o empresário Rogério Soares Rocha afirma que a escassez de materiais no setor é tamanha que há indústrias fazendo vendas para a entrega somente no fim do ano. Essa situação, segundo ele, ocorre no fornecimento de materiais hidráulicos. O comerciante disse que a falta de materiais hidráulicos ocorre porque praticamente só existe no país uma fornecedora de resina de PVC, principal matéria-prima da produção de tubos e conexões. Esse produtor teria direcionado produção para o mercado internacional e aumentado os preços internos em até 35%.
Margem de lucro “esmagada”
As consequências da elevação de preços de materiais de construção civil são sentidas na prática por Felipe David Luiz. Ele é dono de uma pequena construtora em Montes Claros, no Norte do estado, onde edifica casas para venda imediata, tendo como clientela pessoas de classe média. Felipe afirma que não pode mais repassar para os clientes o aumento de preços em contratos de vendas de casas com os valores pré-fixados. “Neste caso, diante da elevação dos preços dos materiais de construção, temos esmagamento da margem de lucro – e em alguns casos, até prejuízos”, afirma o construtor.
Ele disse que ainda precisa fazer cálculo da planilha de custos. Mas acredita que, desde o início da pandemia, o custo final das obras de construção civil de residências aumentou em cerca de 10%, enquanto a inflação foi praticamente zerada de março a julho de 2020. Conforme o pequeno empresário, uma casa com boa qualidade de acabamento, com cerca de 100 metros quadrados de área construída, com três tres quartos (sendo um suíte), sala, cozinha, banheiro social e garagem, situada em um bairro de classe média, está saindo hoje por cerca de R$ 300 mil em Montes Claros. Mas a tendência do custo da construção é aumentar por causa da oscilação de preços dos materiais depois da pandemia.
Também proprietário de uma firma que constrói casas em Montes Claros, o empresário Rafael Maia Mesquita afirma que nos últimos meses houve uma disparada de preços nos materiais de construção civil. “Alguns produtos subiram 50%, 60% e até 70%. Estamos enfrentando uma situação absurda. Assim, vai ficar complicado trabalhar”, reclama Mesquita. Ele considera “abusivo” o aumento do preço do tijolo no Norte de Minas. “Subiu mais de 80%. Mas, tem cerâmica que aumentou o seu preço em até 100%, reclama. O preço médio do mileiro de tijolo em Montes Claros, que era de R$ 480 até março, agora está em torno de R$ 850 ao consumidor.
Conforme mostrou a reportagem do Estado de Minas, com o isolamento social, muitas pessoas aproveitaram o “fique em casa” para reformar ou ampliar suas residências. Assim, as vendas do setor de construção civil ganharam impulso por conta do consumo das famílias, o chamado “efeito formiguinha”. Como consequências, vieram a falta de produtos e o aumento de preços.