Futuro do FGTS preocupa a cadeia da construção civil
O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) completa 56 anos em 2022. Este, que é fonte fundamental de financiamento da construção civil principalmente em momentos de restrição fiscal, tem causado preocupações no setor.
O FGTS foi instituído pela Lei nº 5.107, de 13 de setembro de 1966, com a finalidade de constituir uma reserva para o trabalhador, que poderia utiliza-la na aposentadoria ou na demissão sem justa causa. Posteriormente foi permitido o saque para a ocorrência de doenças graves e para a aquisição da casa própria.
O FGTS foi criado para substituir a estabilidade empregatícia no Brasil. Até a sua criação, quando o trabalhador completava dez anos de trabalho numa empresa, ele adquiria estabilidade. Porém, muitas empresas acabavam demitindo os funcionários antes disso para evitar a estabilidade. “Por isso foi criado o FGTS, para fazer essa substituição e hoje nós temos que garantir que o trabalhador tenha essa poupança para uso na sua efetiva necessidade”, declarou Elson Ribeiro, vice-presidente financeiro da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), durante o 94º ENIC.
Este arranjo permitiu ao FGTS acumular recursos que vem sendo aplicados em habitação, saneamento básico e infraestrutura urbana com resultados significativos na melhoria de qualidade de vida das cidades brasileiras. Mas, para alguns, o fundo está ameaçado devido às diversas novas modalidades de saque que surgem a cada ano.
Conceitualmente, inibir os saques do FGTS nas contas dos trabalhadores tem duas razões principais: garantir ao trabalhador uma poupança para momentos de efetiva dificuldade e permitir orçamentos robustos para executar as políticas públicas de habitação popular, saneamento e infraestrutura urbana, com geração de novas oportunidades de empregos formais favorecendo os trabalhadores.
Qual a preocupação atual em relação ao FGTS? São os saques extraordinários que estão acontecendo e que estão fora do objetivo inicial do fundo.
O Governo Federal, a partir de 2017, passou a editar Medidas Provisórias permitindo saques extraordinários com a justificativa de incentivar o consumo das famílias e assim expandir a economia. Alguns exemplos são os saques das contas inativas em 2017 de R$ 44,4 bilhões, saques imediatos em 2019 de R$ 28,1 bilhões e saques emergenciais em 2020 devido à pandemia de R$ 24,2 bilhões.
“Na minha avaliação esses saques estão acontecendo porque através do FGTS não há a obrigação de respeitar o teto de gastos, então é uma forma mais rápida para o Governo injetar recursos na economia”, aponta Ribeiro.
Para o presidente da CBIC, José Carlos Martins, o cenário econômico comprova que os recursos liberados pelo FGTS em 2019 não impulsionaram o consumo a ponto de acelerar o crescimento da economia, que foi de 1,1%.
Em nota publicada no site da CBIC, o presidente explica que foi divulgado a todos os entes econômicos em 2019 que se fossem liberados os saques de R$ 500 por cidadão que tem conta vinculada ao Fundo de Garantia isso iria estimular a economia; entretanto, no 3º trimestre de 2019, o PIB foi de 0,7%, já acrescido do consumo das famílias, e de 0,5% no 4º trimestre de 2019. “Ou seja, as pessoas sacaram e a atividade diminuiu, e no setor da construção civil faltou dinheiro do FGTS para financiar a contratação, o que fez com que o PIB do setor diminuísse naturalmente”, justificou José Carlos Martins.
A MP 1.107, por exemplo, que instituiu o programa de simplificação do microcrédito digital permite um saque de R$ 3 bilhões para compor o fundo garantidor, o que vai impactar numa redução no orçamento anual para habitação, saneamento e infraestrutura de 2023 a 2025 na ordem de mais de R$ 12 bilhões. Entre diversas outras Medidas Provisórias.
Atualmente, existem 23 hipóteses de saque previstas na Lei 8.036/90. Em 2021, ocorreram mais de 48 milhões de saques, totalizando mais de R$ 119 bilhões. Estão em tramitação, em diferentes estágios e comissões, cerca de 380 proposituras com intenção de criar novas hipóteses de saque. Apenas na Comissão do Trabalho, de Administração e Serviço Público – CTASP, estão listados 88 Projetos de Lei.
Somando todos os projetos de lei com impacto financeiro sobre o FGTS, o montante pode chegar ao total do saldo das contas dos trabalhadores, extinguindo o fundo. “O FGTS é insuficiente para atender todos esses projetos”, alerta Elson Ribeiro, vice-presidente financeiro da CBIC. “O risco é muito grande principalmente porque esses projetos ocorrem de formas isoladas e, na maioria das vezes, sem estudo de impacto e em prazos não conhecidos”, acrescenta.
Os representantes da sociedade civil no Conselho Curador do FGTS criaram um modelo de acompanhamento da tramitação destes projetos com foco em esclarecer os deputados dos efeitos da aprovação de cada um dos projetos. Este trabalho de convencimento fica abalado com a publicação das MPs pelo Governo. O argumento principal é de que novas modalidades de saque implicam em redução dos orçamentos de contratação para produção de moradias, de saneamento e de infraestrutura urbana.
O futuro do FGTS aponta para a ampliação dos objetivos de aplicação dos recursos pela Lei 13.932/2019, que trata da mudança de conceito com a abertura para o uso individual do saldo das contas para todos os trabalhadores, como o saque aniversário, e para a autorização da aplicação dos recursos em fundos de investimento, no mercado de capitais e em títulos públicos e privados, além da ampliação das modalidades de saque, comprometendo os recursos para cumprir os compromissos já assumidos e para novos empréstimos.
Os reflexos diretos são diversos. Caso sejam alteradas ou ampliadas as hipóteses de saque do FGTS, os recursos remanescentes poderão não ser suficientes para a formação de funding e cumprimento de seus objetivos, prejudicando a criação de postos de trabalho.
A maioria dos estados e municípios brasileiros não possui condições orçamentárias ou de endividamento para substituir o FGTS na aplicação de recursos nas áreas de habitação, saneamento básico e infraestrutura urbana.
Para Fábio Garcez, CEO do CV CRM, o resultado será a perda de proteção para o trabalhador nos momentos de maior necessidade, como perda involuntária do emprego, compra da moradia própria e aposentadoria.
“Nós, que compomos a cadeia da construção civil, entendemos que a pandemia, por exemplo, foi um momento de necessidade emergencial, mas agora chegamos à conclusão de que o FGTS tem que voltar a ser preservado, é preciso reavaliar os projetos cuja intenção é desviar a finalidade de aplicação dos recursos que é habitação, saneamento e infraestrutura”, conclui Fábio Garcez.