No centro das discussões da COP30, um dos setores mais pressionados pela agenda climática ganhou, pela primeira vez, um roteiro global para orientar sua transição. O ambiente construído — responsável por cerca de 34% das emissões mundiais de CO₂ e mais de 30% do consumo global de energia — é também um campo onde a urgência ambiental se cruza com desafios de governança, desigualdade e competitividade. Foi durante os debates no Pavilhão de Edificações e Resfriamento que a comunidade internacional recebeu o Action Paper sobre Construção Sustentável, documento que estabelece seis grandes eixos e 13 prioridades estruturantes para guiar governos, empresas e instituições em uma mudança de caráter sistêmico. O material é resultado de um ano de consultas internacionais coordenadas pelo Observatório de Construção Sustentável, iniciativa liderada pela Saint-Gobain, e começou a circular oficialmente no dia 12 de novembro, na Blue Zone da COP30.
A proposta surge em um momento em que a transição do setor avança de forma desigual, com interpretações distintas sobre o que realmente caracteriza uma construção sustentável. O documento busca enfrentar justamente essa falta de alinhamento, considerada hoje uma das maiores barreiras para o avanço coordenado globalmente. “Somente com inteligência coletiva conseguiremos responder à altura desse desafio”, afirmou Benoit Bazin, presidente e CEO global da Saint-Gobain, no lançamento. Ele reforçou que a COP30 destaca a urgência de ação alinhada às metas climáticas e que o Action Paper traduz pensamento compartilhado em impacto mensurável para um ambiente construído mais resiliente e sustentável.
Os 6 eixos que redefinem a agenda global da construção
O documento apresenta seis temas considerados essenciais para destravar a transformação do setor:
Definição comum de construção sustentável
Ainda não existe consenso sobre critérios e métricas, o que gera políticas conflitantes. O plano propõe padronizar definições e indicadores.Colaboração entre todos os elos da cadeia
A construção segue fragmentada, com baixa integração entre governos, empresas, projetistas, operadores e usuários. O documento defende maior coordenação e redução de iniciativas paralelas.Integração de adaptação e resiliência
Com crises climáticas mais frequentes, resiliência precisa ter o mesmo peso da eficiência energética e da redução de carbono.Estratégias específicas para economias emergentes
Com 2,5 bilhões de novos habitantes urbanos previstos até 2050, principalmente em países emergentes, o plano ressalta que a transição deve considerar desigualdades e infraestruturas precárias.Provar a viabilidade econômica da construção sustentável
A percepção de custo elevado ainda predomina. O documento reforça a necessidade de evidências financeiras, análises de ciclo de vida e casos de sucesso amplamente divulgados.Transformar a percepção do setor
A sustentabilidade precisa deixar de ser vista como obrigação técnica e se tornar símbolo de inovação, conforto, eficiência e competitividade.
A partir desses eixos, o Action Paper apresenta 13 ações prioritárias, que incluem incorporar resiliência como requisito obrigatório em licitações e desenvolver códigos de construção adaptados às realidades de países em desenvolvimento.
Um processo global de construção coletiva
O documento foi elaborado a partir de uma ampla consulta internacional que envolveu:
12 especialistas globais em clima, construção e regulação
797 respostas de profissionais do setor em 36 países
35 líderes de construção, finanças, seguros e sociedade civil reunidos em workshop presencial na Climate Week em Nova York
O processo reforça a intenção de criar um guia de consenso, capaz de dialogar tanto com economias maduras quanto com regiões que ainda sofrem com déficits básicos de infraestrutura.
Por que o documento importa para a COP30
A publicação ocorre em um momento em que a construção entra no centro das negociações climáticas globais. O Action Paper complementa iniciativas como a Buildings Breakthrough, que busca tornar edificações resilientes e de baixas emissões o novo padrão até 2030. Entre seus objetivos estão:
alinhar políticas públicas
orientar investimentos verdes
estabelecer critérios regulatórios mais consistentes
incentivar inovação em materiais e tecnologias
estimular programas nacionais de construção sustentável
Ao conectar clima, economia e impacto social, o plano reorganiza prioridades de um setor historicamente visto como vilão das emissões, mas que passa a ser protagonista de soluções.
Uma agenda que ultrapassa a COP30
Se a comunidade internacional conseguiu estabelecer um direcionamento comum, o desafio agora é transformar ambição em implementação — dos códigos de obra ao planejamento urbano, do financiamento público à inovação privada. É essa transição, do diagnóstico à execução, que o documento pretende acelerar. Em jogo está não apenas o desempenho ambiental de novas edificações, mas a forma como cidades inteiras irão crescer, se adaptar e resistir às pressões climáticas, sociais e econômicas dos próximos anos. A COP30 deu o impulso inicial; cabe ao setor da construção provar que existe um plano capaz de transformar intenções em realidade — e que esse plano já começou a tomar forma.
